Se a primeira metade da década passada foi marcada pela expectativa de que a internet revolucionaria a vida cotidiana, os últimos anos testemunharam o crescimento de uma corrente cibercética, cujo principal argumento é o de que a rede, por si só, não fará milagres em termos de mobilização de usuários. Um dos nomes mais conhecidos dessa corrente é o do bielorrusso Evgeny Morozov, autor de The net delusion ("A ilusão da rede", numa tradução livre), livro lançado na Europa e nos EUA no início do mês.
Morozov, professor da Universidade de Stanford e blogueiro especializado em discussões sobre os efeitos da internet, critica o que chama de visão idealizada da internet como instrumento de ativismo político, guardando munição especialmente para as teorias de que acesso à tecnologia serve como arma conta regimes opressores. Na semana em que o governo da Tunísia caiu num levante popular em que o uso de redes sociais foi frequente, o argumento de Morozov é que "a internet não faz mágica". Em entrevista ao Globo, o acadêmico queixa-se especificamente da postura de autoridades como a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, em relação ao WikiLeaks: "Não é por receber mais informações que as pessoas vão querer derrubar governos".
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O senhor não acredita no potencial democratizante da internet?
Evgeny Morozov – Não é isso. Há definitivamente potencial na rede para apoiar mudanças, sobretudo pela facilitação da comunicação entre indivíduos. Meu problema é com toda a ideologia por trás disso. A internet não faz mágica. Não podemos simplesmente assumir que acesso à tecnologia vai simplesmente transformar sociedades, pois sociedades diferem entre si. Algumas, por exemplo, são mais guiadas por princípios nacionalistas e religiosos, que simplesmente podem ser amplificados pela rede.
Há críticas especiais à postura do governo americano em seu livro. Por quê?
E.M. – Refiro-me especificamente a um discurso da secretária de Estado, Hillary Clinton, sob o tema "Liberdade da internet", em que se falou em como a tecnologia digital permitiria a luta contra a opressão, entre outras coisas. É errado e pode ser encaixado na mesma categoria da ideia de que o acesso a programas de TV ocidentais iriam fomentar a queda do comunismo – a Alemanha Oriental durante muito tempo desfrutou do privilégio sem que nada mudasse.
Nem todo mundo quer democracia, é o seu argumento...
E.M. – Sim, e a Rússia é um grande exemplo. Continua sendo um país autoritário mesmo depois da fragmentação da URSS. É um caso de que a internet muitas vezes pode servir apenas como um instrumento de entretenimento, não necessariamente de politização, ou não teríamos tanta gente assistindo a vídeos bizarros no YouTube, apostando em cassinos ou buscando pornografia. A URSS quebrou porque a vida era chata... Eu estava lá! As pessoas queriam calças jeans e gadgets muito mais do que qualquer outra coisa (risos).
Mas o que dizer de casos como o Twitter no Irã, quando o microblog ajudou nos protestos contra a fraude na eleição presidencial?
E.M. – É parte da ingenuidade. O Twitter tinha apenas 20 mil usuários na época do pleito. Imaginar que isso poderia reverter o status político-religioso é tão lúdico quanto pensar que o Iraque automaticamente seria democrático após a derrubada de Saddam Hussein. Não é apenas por receber mais informações que as pessoas vão querer derrubar governos.
O senhor também argumenta que a rede não é invulnerável à censura. O quão possível é este controle?
E.M. – Na China, por exemplo, o governo consegue controlar cada vez mais a internet e cercear conteúdo. Regimes autoritários estão ficando bons nisso. O que não quer dizer que o jogo não tenha mudado para os ativistas. A internet facilita a propagação de ideias, por aumentar o alcance ao menos tempo em que diminui os custos de divulgação e mobilização. O que me incomoda é o volume de expectativas. Mudanças não vão acontecer da noite para o dia.
O que está faltando?
E.M. – A internet ainda precisa motivar mais a esfera pública, fazer com que mais pessoas se sintam motivadas a participar do debate político. Ajudar a formar um novo tipo de cidadão.
Como o senhor vê o efeito Wikileaks, site que tem vazado documentos importantes e incomodado o governo de muitos países?
E.M. – Interessante sob vários aspectos. Em termos tecnológicos, há a vantagem tecnológica de codificação das informações para impedir sua interceptação. Mas o que me chama mais a atenção é o fato de o site ainda precisar de métodos tradicionais de divulgação: o Wikileaks ainda depende da projeção dada pela mídia. Julian Assange não seria tão famoso sem os jornais, que, na verdade, fazem parte do trabalho do site. É tão irônico como ver gurus da internet falando sobre o poder de blogs e redes sociais usando livros...
Mas os hackers não são um exemplo do que se pode chamar de potencial subversivo da rede?
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