Anos atrás, os idosos pobres passaram a contar com a aposentadoria rural que lhes garante um salário mínimo, mas não receberam serviço de saúde, nem emprego para os filhos. Desde a implantação do Plano Real, houve uma melhora na afluência das pessoas, graças ao crescimento econômico com estabilidade monetária, mas as pessoas continuam sem poder ir à ruas porque a segurança piorou. Com a Bolsa Escola e a Bolsa Família, milhões saíram da renda zero, mas a escola dos filhos não melhorou. Nunca vendeu-se tanto automóvel e nunca perdeu-se tanto tempo nos engarrafamentos de trânsito. Nos últimos dias, milhares de pessoas tentam fazer a primeira viagem de avião, mas não conseguem ser atendidas nos aeroportos.
O aumento na renda e a facilidade de crédito permitiram aumentar o poder de compra, mas não aumentou o bem estar que vem da soma da renda com os serviços públicos de qualidade disponíveis. O resultado é uma população onde melhora a renda pessoal de cada indivíduo, mas não melhora a qualidade de vida do conjunto da população. Melhora-se o presente, descuidando-se do futuro.
Nunca tantos conseguiram lugar em uma universidade, graças à Bolsa Prouni, mas os cursos perdem qualidade sobretudo por causa da vergonhosa tragédia em que a educação de base continua se arrastando. Resolve-se o problema de cada indivíduo que consegue entrar na universidade, mas não se faz o salto para garantir que todos terminem o ensino médio com qualidade. Porque a bolsa é para cada aluno, como uma renda transferida ao indivíduo, o ensino de base com qualidade é um serviço público oferecido à sociedade.
Na política, todos podem votar, mas votam pensando em si e no presente; a corrupção e os privilégios continuam. Cada eleitor vota, mas o povo não controla os eleitos.
Estes são exemplos de que o Brasil melhorou a afluência na renda de cada pessoa, mas manteve a penúria nos serviços públicos para a coletividade. Somos um país que melhora a renda de cada indivíduo, mas não os serviços ao público.
O noticiário nos últimos dias do ano mostra esta triste contradição brasileira. Parte das notícias são sobre o recorde de vendas no comércio, outra sobre as mortes por balas perdidas, crianças abandonadas, escolas degradadas, hospitais precários, mortes no trânsito, engarrafamentos intermináveis, vôos cancelados. A primeira parte decorre da afluência das pessoas, graças a salários, rendas e empréstimos, a segunda decorre da penúria nos serviços públicos.
A economia e o crescimento não se sustém apenas com a renda e o consumo das pessoas, sem investimentos fortes na infra-estrutura, sem uma forte ação na construção de um sistema eficiente de geração de ciência e tecnologia, sem uma revolução na educação de base, sem serviço de saúde eficiente para todos, sem segurança nas ruas. Mesmo com o povo contente, um país pode ter um triste destino histórico, se a alegria vier apenas individualizada, sem o atendimento ao conjunto de todas as pessoas. O Brasil tem uma população muito mais alegre do que há alguns anos atrás, e isto é muito bom, mas ao mesmo tempo é preocupante que a alegria com o presente individual esconda a tragédia com o futuro coletivo.
Um exemplo desta afluência privada com penúria pública está na cultura do País, que prioriza a solução para cada indivíduo, sem olhar para o conjunto da população e para o futuro; oferece alternativas imediatistas de consumo para indivíduos, sem considerar as soluções definitivas de longo prazo, para o País. É assim que pensamos, os brasileiros, daí nossa baixa taxa de poupança, nosso desprezo e vandalismo com o que pertence ao público, o imediatismo como decidimos na vida pessoal e votamos na vida política. Daí preferir-se uma roupa nova a uma melhora na escola do filho.
Esta cultura pode fazer muitos brasileiros felizes no presente, mas não é suficiente para fazer um Feliz Brasil 2111.
Cristovam Buarque é Professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF
Fonte: http://www.cristovam.org.br
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