sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Felicidade! Nem direito, nem dever! [Diego Schaun]

Muita gente, ao se referir à Constituição Federal de 1988 faz cara feia, ignora e diz que é um livro retrógrado. A bíblia das leis brasileiras faz de tudo para ser democrática e objetiva em relação às pessoas, e realmente acaba sendo. Ao ler o famoso artigo 5º da CF, à primeira vista, tem-se a impressão de que fora escrito por uma reunião de Brâmanes, alguns seguidores de Paulo de Tarso, Martin Luther King e Gandhi. Existem trechos que muito se assemelham às Sunas islâmicas.

Bem, de fato, se todos os "livros sagrados" fossem seguidos à risca, a humanidade perderia a essência que lhe é característica: A essência de ser humano! Passível de erros! Se todos seguissem as regras piamente, tudo ficaria num marasmo total. Não mais existiriam delegacias, pois ninguém iria cometer crimes. Religião também não teria necessidade, já que a perfeição estaria em cada ser. Não que as religiões busquem a perfeição, mas na maioria buscam a sanidade do corpo e da alma, enfim, a felicidade.

E o que é a felicidade? Não me arrisco a responder. Cada um sabe sobre sua felicidade. O que é para si e para o mundo. Subjeção! Felicidade pode ser tão concreta quanto abstrata. Como dizia Hegel, o concreto é a soma das determinações. Logo, não existe livro, mas sim o livro de Machado de Assis. Não existe cachorro, mas existe o cachorro Pluto. Não existe felicidade, e sim a felicidade de fulano. A sua felicidade existe, mas ela em si não.

Por isso é que o fato de colocar a felicidade como mais um item dos direitos sociais na Constituição Federal é algo apenas bonitinho, como afirmou uma filósofa. Outros termos importantes dos direitos sociais são moradia, emprego, saúde e educação. Nenhum deles existe, em si. E o pior, também não existem no outro, pois cadê o emprego de fulano, a saúde de ciclano e a moradia de bertano? Nada real. Novamente subjeção.

Se o manual das regras da sociedade brasileira for pautado em abstração e promessas irreais, vai ser muito difícil conseguir algum progresso. Como poderão dar ao brasileiro, que tem por natureza uma mente tão criativa, o direito à felicidade? É uma coisa muito particular. Para os viciados, a felicidade está numa tragada no cachimbo. Para aquele pai de família, felicidade é ter um refinanciamento de uma dívida no banco, que teima em tirar proveito de todas as situações. Pois é. Como reger essa orquestra cosmopolita? Impossível.

Podem anexar a felicidade aos direitos sociais. Serão mais alguns parcos caracteres na extensa Constituição Federal. Não há erro nesta discussão. O equívoco talvez está na troca dos antagônicos "direto" e "dever".

Por outro lado, tem felicidade quem quer. E se alguém não quiser ser feliz? Se os cidadãos tivessem o "dever" de serem felizes não o fariam, pois têm-se o hábito de ler nossas "bíblias" como uma piada escrita atrás da folhinha do calendário. Após o término da leitura, o humor vem e vai embora num piscar de olhos. O papelzinho é jogado fora e o dia prossegue, sem nenhuma esperança pelo texto de amanhã.

"Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito ainda mora e é por isso que eu gosto lá de fora porque sei que a falsidade não vigora". O grande mestre da arte de compor, Lupicínio Rodrigues, escreveu esta música aos 17 anos. Sua noção de felicidade era a sua casa lá detrás do mundo, as mulheres bonitas que usavam vestidos sem cinta e um cavalo tortilho. Coitado, apenas sonhava essa felicidade em pensamentos, voava! Como poderá a Constituição fazer voar e pousar nos terrenos as moradias, a segurança, a saúde, a paz e a felicidade dentro da sociedade?

Enfim, tudo que o povo quer é ser feliz. Felicidade é o resumo de boa parte de nossa bíblia de 1988. O fato de ter mais esse elemento figurativo entre os nossos direitos sociais é mais um alerta de que somos nós mesmos que fazemos a carruagem andar.

Crer no sobrenatural, buscar a paz, comer, beber, viver e ser feliz são sentimentos inatos. Se depois de 22 anos a Constituição democrática e cidadã não conseguiu alimentar os famintos, dar um teto aos desabrigados, educação aos ignorantes e saúde aos doentes, não resta outra opção senão acreditar que o direito à felicidade é mais uma utopia nacional.

Quiçá um dia, poderemos cantar como Tom Jobim, e afirmar assim: e eu que era triste, descrente deste mundo, ao encontrar você eu conheci o que é felicidade, meu amor. Como podem exarar o desconhecido dentro das leis e fazê-lo um direito de alguém que só usufrui dos seus deveres por falta de opção? Felicidade é um pseudônimo da facilidade de se alterar dolosamente os ocultos direitos dos cidadãos brasileiros. Poderá a sociedade ser feliz já que os caminhos para a felicidade estão fechados?

Daqui a um tempo vão apagar tudo e escrever assim: Artigo 6º "Todos têm o direito de ser feliz, sendo o estado um coadjutor na construção da sociedade, suprindo as necessidades dos desamparados e trabalhando para que a felicidade seja plena". Como disse acima, seria mais uma utopia nacional. Já é.

Diego Schaun é músico, historiador e poeta.

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