Conversava recentemente com uma amiga, colega professora do ensino médio, sobre a situação das escolas públicas no Estado da Bahia e sobre o trabalho do professor. Constatamos, aliás sem nenhuma novidade, que está muito difícil ser professor com as atuais condições de trabalho. Estouram greves em vários Estados, em todos os níveis. Um vídeo circulou na internet, de forma viral, com o discurso da professora potiguar Amanda Gurgel em uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte, onde se discutia a greve dos docentes naquele Estado. A professora usou seus cinco minutos de fala para, com uma precisão cirúrgica, expor a dura vida do professor.
Esses são problemas concretos que muito dificultam o trabalho dos mestres. Mas existem outros importantes aspectos que merecem ser discutidos.
Está difícil a própria relação com os estudantes, que não conseguem ver na escola e no professor algo de significativo para as suas vidas. Observo isso também na universidade. Apesar de uma parcela da juventude estar animada, com disposição para o aprendizado e a interação com colegas e professores, percebo um certo desânimo em boa parte dos meus atuais alunos. Minha colega professora constata que, nas aulas no colégio onde trabalha, o nível de desrespeito em relação ao professor é enorme, com alunos saindo e entrando da sala sem a menor cerimônia, agredindo os mestres verbalmente (nem me refiro às agressões físicas, que também sabemos existir) e pouco ligam para os colegas e os professores.
Para nós, pesquisadores da educação, está evidente que os currículos, a estrutura das escolas, a formação dos professores, entre outros aspectos, estão muito aquém do que necessitamos para que a escola possa enfrentar os desafios contemporâneos. Mas algo nos chama a atenção e, por conta disso, resgato aqui um belo artigo escrito por Mãe Stella de Oxóssi, Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, na Bahia, publicado no jornal A Tarde de 13 de abril passado. "No outono da vida" é uma reflexão sobre o papel dos velhos na sociedade e discorre sobre a estação do ano em que as folhas secas se desprendem das árvores e caem por terra. As folhas caem da mesma forma que os mais velhos curvam o seu corpo, compara Mãe Stella. Mas aqui ela traz uma sabedoria yourubá que nós é muito cara: "Mesmo quando o velho curva o corpo, ainda continua de pé".
No Candomblé, como em outras religiões de procedência oriental e nas tribos indígenas, "o velho é muito valorizado, ele é considerado um sábio, tendo uma condição de destaque e respeito", sentencia Mãe Stella no seu artigo.
Trago essa bela referência para retomar a questão do professor e de sua autoridade. O que temos visto ao longo dos últimos anos é que a correta política de universalização do acesso à educação básica não foi acompanhada de um necessário e urgente resgate do papel do professor. Resgate este que tem que se dar em pelo menos três dimensões: salarial, condições de trabalho e formação (inicial e, principalmente, continuada). Nesse último aspecto, as redes tecnológicas possuem um papel fundamental, uma vez que possibilitam articulação entre todos os entes do sistema, de forma a ter o professor, na escola, no seu ambiente de trabalho, apoio e suporte acadêmico para o desempenho das suas atividades.
A escola precisa resgatar para si a beleza e a genorosidade dos seus espaços e arquiteturas, como já tivemos o Pedro II no Rio e a Escola Parque na Bahia, para citar apenas dois antigos exemplares casos. Nestes ricos espaços, todos conectados e com boa infra-estrutura, os professores viveriam o dia a dia das escolas, a relação com os alunos, funcionários e colegas, numa ambiência de respeito, colaboração e criação.
A necessidade de resgate da autoridade do professor está associada também à de fortalecimento das figuras de autoridade dos pais - hoje tão fragilizadas -, não significa, em absoluto, qualquer nostalgia de tempos autoritários. O fortalecimento dessas figuras de autoridade não pode perder de vista a importância do protagonismo de alunos e filhos nas relações que se estabelecem na escola e na família. Muito pelo contrário. Passariam todos, jovens e velhos - estes com a sabedoria que lhe foi outorgada pelas experiências de vida e aqueles com a irreverência fundamental de quem quer tudo questionar, mudar e reconstruir - a trabalhar para o estabelecimento de um rico diálogo, com trocas, permutas, respeito mútuo e crescimento coletivo e individual.
Mãe Stella foi direto ao ponto: "Os mais novos, que vivem em uma sociedade imediatista, não querem ou não conseguem encontrar tempo para ouvir experiências que um dia terão que enfrentar. (...) Na cultura yorubana, o velho é um herói, pois conseguiu vencer a morte, que nos procura e ronda todos os dias".
Nem todos os professores têm a sabedoria dos velhos, temos clareza disso. Mas resgatar essa dimensão intelectual do professor, acrescida de uma outra dimensão característica de nosso tempo, a do sujeito verdadeiramente ativista, pode vir a constituir um dos mais significativos passos para retomarmos a perspectiva cidadã que estamos vendo se perder em nossa sociedade.
Nelson Pretto é professor e já foi diretor (2000-2004 e 2004-2008) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Membro titular do Conselho de Cultura do Estado da Bahia. Físico, mestre em Educação e Doutor em Comunicação.
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