No Brasil, o problema antropológico da miscigenação vem sendo objeto de pesquisas minuciosas e rigorosamente científicas da parte do professor Roquette Pinto, que neste particular vem continuando e aperfeiçoando J.B. de Lacerda – o primeiro a chamar a atenção de cientistas de outros países, reunidos em Londres, em 1911, para o fato de que a mestiçagem entre os brasileiros (...) não vem significando degradação ao tipo humano nem da sua cultura caracteristicamente européia: cultura que dificilmente pode ser separada do tipo de organização de família dominante durante séculos entre os brasileiros: o patriarcal. (...)
Não fosse o vigor com que o sistema patriarcal de família, de economia e de sociedade generalizou-se, como poder dominante, ao país inteiro, desconhecendo fronteiras de regiões marcadas por diferenças de condições físicas, de predisposições econômicas e de características étnico e etnográficas das populações, e não me parece que a unidade brasileira se tivesse afirmado, de modo verdadeiramente triunfal, como se afirmou. Contrasta esse triunfo brasileiro de tal maneira com a fragmentação que ocorreu na América espanhola que o confronto entre os dois tipos de desenvolvimento se impõe à atenção dos sociólogos como um desafio à sua capacidade de interpretação. Não era a mesma língua que falavam os espanhóis na América? Não eram as mesmas leis que os regiam? Não era a mesma religião a que obedecia a sua fé? Por que então se fragmentaram em tantas repúblicas, deixando-se vencer pelo mais separatista dos regionalismos?
Ao meu ver por lhes ter faltado a ação unificadora do sistema patriarcal de família, de economia e de sociedade como um poder rival do simples poder político ou do puro poder teocrático, e por vezes superior a esses dois poderes. Esse poder patriarcal teve no escravo africano móvel, transferido às vezes de um extremo ao outro do país, um dos seus elementos mais dinâmicos de unificação, que corrigiu por vezes as diferenças de ordem cultural e étnica que foram sendo criadas e acentuadas nas diversas áreas pela variedade de bases das economias regionais: açúcar, café, couro, cacau, algodão. Por todas essas áreas generalizou-se aquele tipo sociologicamente único de organização patriarcal de família, de economia e de sociedade, caracterizado pelo domínio do pater familias sobre vasto conjunto não só de atividades como de elementos de população. Em todas essas áreas, ele tornou-se um senhor que, de sua casa-grande de engenho, de fazenda ou de estância, exercia maior ou menor mando efetivo – maior nos engenhos, menor nas estâncias – sobre atividades e populações alcançadas também, quase sempre, pelo poder político e pelo poder teocrático. (...)
Por ter sido condicionado pelo sistema patriarcal de família é que o regime de trabalho escravo parece ter sido no Brasil – admitindo-se, também nesse caso, exceções – particularmente suave; e com certeza benigno em relação com o que foi a escravidão noutras áreas dominadas, desde o século XVII, por outros europeus. (...) Por que essa diferença? A meu ver por ter sido um regime de escravidão (...) antes árabe que europeu em seu modo de ser escravocrata. E ninguém ignora que há imensa distância entre as duas concepções – a européia, pós-industrial, e a oriental, pré-industrial – de considerar-se o escravo. Numa, o escravo é simples máquina de trabalho. Na outra, é pessoa quase da família a quem o senhor – pater familias por excelência – se julga na obrigação de amparar na doença, proteger na velhice, livrar de paganismo."
na Universidade Stanford, na Califórnia, em 1931 –
dois anos antes do lançamento de "Casa-Grande e Senzala"
É importantíssimo, todo o conhecimento produzido no sentindo do real reconhecimento das verdadeiras origens brasileiras, a partir disso nossos atuais e complexos problemas sonharam com a possibilidade de soluções.
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