Enquanto heróis da saga revolucionária, Che Guevara e Osama bin Laden assemelham-se em pelo menos um ponto essencial, no qual sua auto-imagem se confunde com sua imagem pública. Quero dizer que algo que eles acreditam piamente de si mesmos coincide com algo que sua platéia acredita piamente a respeito deles. Como todas as vidas de revolucionários modernos, sem exceção, as desses dois compõem-se essencialmente de um auto-engano pessoal transfigurado em lenda mundial pelo efeito amplificador da propaganda, seja a propaganda organizada da esquerda militante, seja a propaganda informal da mídia simpática.
A crença pessoal a que me refiro - e que ambos expressaram abundantemente, por atos e palavras, não se tratando aqui de uma "interpretação" minha, mas da simples constatação de um fato - é a seguinte: exatamente como os heréticos da seita do "Livre Espírito" estudados por Norman Cohn em "The Pursuit of the Millennium", um e outro acreditam-se tão profundamente, tão essencialmente identificados a uma causa superiormente justa e nobre, que mesmo seus pecados mais flagrantes e seus crimes mais hediondos lhes parecem resgatados, de antemão, pela unção incondicional de uma divindade legitimadora. Pouco importa que essa divindade seja, num deles, só informalmente teológica (a História, o Progresso, a Revolução), e só no outro expressamente teológica. Em ambos os casos há o apelo a uma fonte suprema da autoridade, que consagra o mal como bem.
Mas não é que se coloquem acima do bem e do mal, no sentido da amoralidade aristocrática do super-homem de Nietzsche ou do "amoralista" de Gide. Ao contrário: identificaram-se de tal modo com o que lhes parece o bem, que mesmo o mal que praticam se transfigura, a seus olhos, automaticamente em bem. Atingiram, enfim, a seus próprios olhos, o estágio divino da impecância essencial.
Daí que, neles, a total falta de escrúpulos e a prática costumeira da violência criminosa coexistam sem maiores problemas com uma fé perfeitamente sincera na própria bondade, santidade até -- implícita em Guevara, ostensiva em Osama.
E nada de confundi-los, por favor, com o farsante vulgar, o santarrão de opereta. Este é cômico porque nele os traços incompatíveis são mantidos juntos pela solda bem frágil da hipocrisia. No fundo ele tem consciência da sua falsidade e, pego de jeito, pode ser desmascarado perante si mesmo. No herói revolucionário, a mentira existencial tomou por completo o lugar da consciência, numa espécie de sacrifício ascético. A divindade macabra ante cujo altar se consuma esse sacrifício responde então ao postulante: ao contrário do mentiroso comum, que se enfraquece pela falsidade da sua posição, o asceta do mal ganha redobrado vigor a cada nova abjuração da verdade, tornando-se, no cume da sua anti-realização espiritual, capaz de projetar hipnoticamente sua imagem sobre as multidões.
Daí uma segunda semelhança: no paroxismo do culto idolátrico, militantes e simpatizantes chegam a ver em seus ídolos presenças divinas ou ao menos proféticas. Expressando uma convicção coletiva bem disseminada hoje em dia, Frei Betto nivelou ostensivamente Che Guevara a Jesus Cristo, e Arnaldo Jabor denominou Osama de Maomé II.
Texto publicado em 25/12/2001.
Olavo de Carvalho, nascido em Campinas, Estado de São Paulo, em 29 de abril de 1947, tem sido saudado pela crítica como um dos mais originais e audaciosos pensadores brasileiros. Homens de orientações intelectuais tão diferentes quanto Jorge Amado, Arnaldo Jabor, Ciro Gomes, Roberto Campos, J. O. de Meira Penna, Bruno Tolentino, Herberto Sales, Josué Montello e o ex-presidente da República José Sarney já expressaram sua admiração pela sua pessoa e pelo seu trabalho.
Até onde pode chegar a direita mais reacionária - e grande parte da esquerda institucionalizada - ao ponto de criar una semelhança deste tipo. Só para começar e ao mesmo tempo fechar o papo que não admite maiores elucubrações, a menos que sejam originadas na desqualificação gratuita e impune: em que momento da sua história pessoal ou politica o Che trabalhou com os sanguinários donos do poder do mundo, alvo da admiração deste dito filósofo e o seu séquito de idiotizados iludidos?
ResponderExcluirabs
cp
Hasta...
www.lamestizaaudiovisual.blogspot.com
olá irmãozinho, td bem? posto aqui homenagem q fiz a Olavo de Carvalho. lá no site tem mais - dê uma chegada lá:
ResponderExcluirhttp://cariboxoxo.blogspot.com/
EPÍGRAFE CENSURADA DE "MAQUIAVEL OU A CONFUSÃO DEMONÍACA", O MAIS NOVO LIVRO DE SIMÃO BACAMARTE
para Rato Callunga
Maquiavélico Maquiavel,
mil prolegômenos tentaram
rasgar a seda do teu véu
e, no entanto, se propalo,
aos quatro cantos de Babel,
que consegui desembrulhá-lo,
é pra pagar meu aluguel,
a coca-cola, o cigarro,
o lexotan e o pão de mel.
De Caribó Literato,
corno, poeta e viado
(poema para ser lido aos berros no blog talk radio trueoutspeak)
A herança do Che
ResponderExcluirBernardo Linhares
Mosca, mosquito,
pulga, percevejo,
rato, pernilongo,
sovaco de morcego.
Carrapato, chato,
lacraia, teia,
picada de formiga,
cupim na cumeeira.
Lagarta,
lagartixa sem rabo,
rabo de gata.
Roída por traças
tem poesia,
poesia barata.