quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A Copa e a rua [Paulo Miguez]

Preocupam a todos as muitas questões envolvendo a realização, em 2014, da Copa do Mundo de Futebol em nosso País. O repertório é grande: a construção dos estádios, a reforma dos aeroportos, os investimentos em mobilidade urbana nas cidades-sede dos jogos, a questão da transparência no uso do volume considerável de recursos públicos que estão sendo movimentados para o evento etc, etc.


Mas uma questão em especial tem me preocupado. Como será tratada a cultura das ruas das nossas cidades que sediarão os jogos da Copa? Sim, a cultura das ruas, os muitos e diversos atores e suas práticas sócio-culturais que costumam povoar as ruas das nossas cidades e que constituem um traço marcante e diferenciador da vida brasileira. Pode parecer uma questão de pouca importância diante de assuntos envolvendo investimentos vultosos e transparência no uso de recursos públicos. Mas não é.


É que a tradição brasileira neste quesito é triste. A regra tem sido, quase sempre, retirar das ruas o que possa parecer, aos governantes de plantão, sinais de pobreza, de barbárie - afinal, "pega mal" para o País, ainda mais agora que virou emergente, apresentar aos olhos do mundo, no momento em que todos os olhos estarão voltados para nós, esta parte do nosso povo que insiste em ser brasileiro e que nesta aventura cotidiana tem como único território a sua disposição as ruas.


Um exemplo? Quando a Rainha da Dinamarca visitou Salvador em 1999, a polícia baiana resolveu fazer uma "limpeza" na cidade para receber a soberana. Prendeu, sem ordem judicial, por alguns dias, vários homossexuais e travestis - se soube do acontecido, Margareth II deve ter achado a ação policial no mínimo estranha. Claro, a Dinamarca foi um dos primeiros países do mundo a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.


A preocupação, aqui, não é só minha. Nesta direção manifestaram-se três alemães, consultores de cidades-sedes que participaram das Copas de 2006 e 2010 e que estiveram recentemente no Brasil. E foram claros quanto a esta questão. Sugeriram que o País deve colocar sua cultura local acima dos interesses imperiais da FIFA, mesmo que contrariando os acordos comerciais da toda-poderosa do futebol mundial. Cito a declaração de um dos consultores: "A Copa precisa de aceitação popular para ser bem-sucedida na cidade. Para isso, a população não pode ser excluída. Tem que participar do evento... senão a Copa não dá certo".


Lembraram, os alemães, como exemplo, a Copa de 2006, quando a Alemanha jogou pesado contra as imposições da FIFA. Dentre os embates, destacaram a questão da comercialização de cervejas em Dortmund, uma das cidades-sede. A FIFA exigia que só fosse comercializada a marca Budweiser. Os organizadores locais endureceram e a FIFA foi obrigada a aceitar a venda da cerveja Dortmund, fabricada na cidade. Diferentemente da Alemanha, em 2006, na Copa da África do Sul, em 2010, prevaleceram as imposições da FIFA. Mas, e aqui? Como vai ser? Como irão tratar esta questão?


Baiano, devo por as barbas de molho! É que corremos o risco de ver riscados da paisagem do estádio o "baleiro", de cesta cheia de "jujubas, chocolates e "queimados", e o sorveteiro, a quem devemos o prazer de um duplo de mangaba e côco, gentes e coisas que aprendemos a amar em tarde de jogo, desde os tempos da velha Fonte Nova.


Paulo Miguez é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Atualmente é professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA e coordena o Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (UFBA).

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Saqueadores, uni-vos! [Slavoj Zizek]

Foto: www.oglobo.globo.com

A repetição, diz Hegel, desempenha um papel crucial na história: quando algo acontece uma vez apenas, pode ser visto como simples acidente, algo que poderia ter sido evitado se a situação tivesse sido tratada de outra maneira; mas, quando o mesmo fato se repete, é sinal de que um processo histórico mais profundo está em ação.


Quando Napoleão foi derrotado em Leipzig, em 1813, pareceu que tinha sido azar; quando ele voltou a ser derrotado em Waterloo, ficou claro que seu tempo acabara.


A mesma coisa aplica-se à crise financeira contínua. Em setembro de 2008, foi descrita como uma anomalia que poderia ser corrigida com uma melhor regulamentação etc.; agora, o acúmulo de sinais de um derretimento financeiro repetido deixa claro que estamos diante de um fenômeno estrutural.

Embora os recentes tumultos no Reino Unido tenham sido desencadeados pela morte em circunstâncias suspeitas de Mark Duggan, todo mundo concorda que eles exprimem um mal-estar mais profundo – mas de que tipo? Como no caso dos incêndios de carros na periferia de Paris em 2005, os saqueadores no Reino Unido não tinham mensagem clara a transmitir.


É por isso que é difícil conceber os participantes nos tumultos no Reino Unido em termos marxistas, como, por exemplo, a emergência do sujeito revolucionário; eles cabem muito melhor na noção hegeliana da “turba”, os que se si­tuam fora do espaço social organizado, que podem exprimir sua insatisfação apenas por meio de explosões “irracionais” de violência destrutiva – o que Hegel chamou de “negatividade abstrata”.


Nos é dito que a desintegração dos regimes comunistas no início dos anos 1990 assinalou o fim das ideologias. Se o truísmo de que vivemos em uma era pós-ideológica é verdadeiro em qualquer sentido, isso pode ser visto nessa explosão recente de violência. Foi uma ação violenta que não reivindicou nada.

O fato de os manifestantes não terem um programa é, portanto, um fato a ser interpretado em si mesmo: ele nos revela muito sobre nosso dilema ideológico-político e sobre o tipo de sociedade em que vivemos: uma sociedade que celebra a escolha, mas na qual a única alternativa disponível ao consenso democrático é a violência cega.


A oposição ao sistema não pode mais se articular na forma de uma alternativa realista ou mesmo de um projeto utópico – pode apenas assumir a forma de uma explosão destituída de sentido. De que adianta nossa tão celebrada liberdade de escolha quando a única escolha é entre jogar segundo as regras e a violência autodestrutiva? Talvez este seja um dos maiores perigos do capitalismo: embora, pelo fato de ser global, abarque o mundo inteiro, ele sustenta uma constelação ideológica “sem mundo” na qual as pessoas são privadas de suas maneiras de localizar sentido.


A primeira conclusão a ser tirada da turbulência no Reino Unido, portanto, é que as reações a ela, tanto as conservadoras quanto as liberais, são inadequadas. A reação conservadora foi previsível: não há justificativa para vandalismo desse tipo; para prevenir outras explosões assim, precisamos não de mais tolerância e ajuda social, mas de mais disciplina, trabalho árduo e senso de responsabilidade. O que está errado nesse relato não é apenas que ele ignora a situação social desesperadora que empurra os jovens a lançar-se em explosões violentas, mas que ignora o modo como essas explosões ecoam as premissas ocultas da própria ideologia conservadora.


Pois o que vimos nas ruas britânicas durante os tumultos não foram homens reduzidos a “bestas”, mas à forma despida, fundamental, da “besta” produzida pela própria ideologia capitalista. Enquanto isso, os liberais de esquerda, previsivelmente, se apegaram a seu mantra sobre o descaso em que caíram os programas sociais e iniciativas de integração: explosões de violência são os únicos meios que possuem para articular sua insatisfação. Mas o problema desse relato é que ele apresenta apenas as condições objetivas para os tumultos. Provocar um tumulto é fazer uma afirmação subjetiva, declarar implicitamente como a pessoa se relaciona com suas condições objetivas.


Vivemos em tempos cínicos. É fácil imaginar um manifestante que, flagrado saqueando e queimando uma loja e pressionado para que explique suas razões, responda na linguagem empregada por assistentes sociais e sociólogos, citando a mobilidade social menor, a insegurança crescente, a desintegração da autoridade paterna e a falta de amor materno em sua primeira infância. Ele sabe o que está fazendo, portanto, mas o faz mesmo assim. Mas não faz sentido ponderar qual dessas duas reações, conservadora ou liberal, é a pior. Também aqui devemos rejeitar a exigência de que tomemos partido. A verdade é que o conflito foi entre dois polos de desprivilegiados: aqueles que conseguiram funcionar dentro do sistema versus aqueles que estavam frustrados demais para continuar tentando.


Assim, a violência dos saqueadores foi dirigida quase exclusivamente contra suas próprias comunidades. Os carros incendiados e as lojas saqueadas não estavam em bairros ricos, mas nos bairros dos próprios saqueadores. Zygmunt Bauman caracterizou os tumultos como atos de “consumidores deficientes e desqualificados”: mais que tudo, foram uma manifestação de um desejo de consumo concretizado violentamente quando foi incapaz de se realizar da maneira “apropriada”, ou seja, fazendo compras.


Como tais, os tumultos também contêm um momento de protesto genuíno, sob a forma de uma resposta irônica à ideo­logia do consumo: “Vocês nos mandam consumir e ao mesmo tempo nos privam dos meios de fazê-lo apropriadamente – então estamos aqui, consumindo do jeito que conseguimos!”. Os tumultos são uma demonstração da força material da ideologia – ou seja, a “sociedade pós-ideológica” talvez seja uma falácia. De um ponto de vista revolucionário, o problema dos tumultos não é a violência em si, mas o fato de a violência não ser verdadeiramente autoassertiva. É raiva e desespero impotentes sob o disfarce de uma exibição de força. Os tumultos deveriam ser situados em relação a outro tipo de violência que a maioria liberal hoje apreende como uma ameaça a nosso modo de vida: ataques terroristas e explosões suicidas. Em ambos os casos, a violência e a contraviolência estão presas em um círculo vicioso, cada uma gerando as forças que procura combater. A diferença é que, em contraste com os tumultos no Reino Unido ou em Paris, ataques terroristas são realizados a serviço do sentido absoluto dado pela religião.


Infelizmente, o verão egípcio de 2011 será lembrado como tendo marcado o fim da revolução, um tempo em que seu potencial emancipador foi sufocado. Seus coveiros são o Exército e os islâmicos. Os contornos do pacto entre o Exército (que era o Exército de Mubarak) e os islâmicos (que foram marginalizados nos primeiros meses do levante, mas agora vêm ganhando terreno) estão cada vez mais claros: os islâmicos vão tolerar os privilégios materiais do Exército e, em contrapartida, vão ganhar hegemonia ideológica. Os perdedores serão os liberais pró-ocidentais, fracos demais para “promover a democracia”, além dos verdadeiros agentes dos acontecimentos da primavera: a esquerda secular emergente que vem tentando montar uma rede de organizações da sociedade civil, de sindicatos a feministas.


A situação na Grécia parece mais promissora, provavelmente graças à tradição recente de auto-organização progressista (que desapareceu na Espanha após a queda do regime de Franco). Mesmo lá, porém, o movimento de protesto mostra os limites da auto-organização: os manifestantes sustentam um espaço de liberdade igualitária sem uma autoridade central que a regulamente, um espaço público no qual eles recebem a mesma quantidade de tempo para falar, e assim por diante.


Quando os manifestantes começaram a debater o que fazer a seguir, como avançar além dos meros protestos, o consenso da maioria foi de que era preciso não um novo partido ou uma tentativa direta de tomar o poder do Estado, mas um movimento cuja meta fosse exercer pressão sobre os partidos políticos. Isso, evidentemente, não é o suficiente para impor uma reorganização da vida social. Para isso é preciso um corpo político forte, capaz de tomar decisões rápidas e implementá-las com a rigidez necessária.


Publicado em 02 de setembro de 2011


Slavoj Zizek é filósofo esloveno, autor de Em Defesa das Causas Perdidas (Boitempo). A íntegra deste texto saiu no London Review of Books

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O benefício da dúvida [Ferreira Gullar]

Difícil é lidar com donos da verdade. Não há dúvida de que todos nós nos apoiamos em algumas certezas e temos opinião formada sobre determinados assuntos; é inevitável e necessário. Se somos, como creio que somos, seres culturais, vivemos num mundo que construímos a partir de nossas experiências e conhecimentos. Há aqueles que não chegam a formular claramente para si o que conhecem e sabem, mas há outros que, pelo contrário, têm opiniões formadas sobre tudo ou quase tudo. Até aí nada de mais; o problema é quando o cara se convence de que suas opiniões são as únicas verdadeiras e, portanto, incontestáveis. Se ele se defronta com outro imbuído da mesma certeza, arma-se um barraco.

De qualquer maneira, se se trata de um indivíduo qualquer que se julga dono da verdade, a coisa não vai além de algumas discussões acaloradas, que podem até chegar a ofensas pessoais. O problema se agrava quando o dono da verdade tem lábia, carisma e se considera salvador da pátria. Dependendo das circunstâncias, ele pode empolgar milhões de pessoas e se tornar, vamos dizer, um “fuhrer”.

As pessoas necessitam de verdades e, se surge alguém dizendo as verdades que elas querem ouvir, adotam-no como líder ou profeta e passam a pensar e agir conforme o que ele diga. Hitler foi um exemplo quase inacreditável de um líder carismático que levou uma nação inteira ao estado de hipnose e seus asseclas à prática de crimes estarrecedores.

A loucura torna-se lógica quando a verdade torna-se indiscutível. Foi o que ocorreu também durante a Inquisição: para salvar a alma do desgraçado, os sacerdotes exigiam que ele admitisse estar possuído pelo diabo; se não admitia, era torturado para confessar e, se confessava, era queimado na fogueira, pois só assim sua alma seria salva. Tudo muito lógico. E os inquisidores, donos da verdade, não duvidavam um só momento de que agiam conforme a vontade de Deus e faziam o bem ao torturar e matar.

Foi também em nome do bem — desta vez não do bem espiritual, mas do bem social — que os fanáticos seguidores de Pol Pot levaram à morte milhões de seus irmãos. Os comunistas do Khmer Vermelho haviam aprendido marxismo em Paris não sei com que professor que lhes ensinara o caminho para salvar o país: transferir a maior parte da população urbana para o campo. Detentores de tal verdade, ocuparam militarmente as cidades e obrigaram os moradores de determinados bairros a deixarem imediatamente suas casas e rumarem para o interior do país. Quem não obedeceu foi executado e os que obedeceram, ao chegarem ao campo, não tinham casa onde morar nem o que comer e, assim, morreram de inanição. Enquanto isso, Pol Pot e seus seguidores vibravam cheios de certeza revolucionária.

É inconcebível o que os homens podem fazer levados por uma convicção e, das convicções humanas, como se sabe, a mais poderosa é a fé em Deus, fale ele pela boca de Cristo, de Buda ou de Muhammad. Porque vivemos num mundo inventado por nós, vejo Deus como a mais extraordinária de nossas invenções. Sei, porém, que, para os que creem na sua existência, ele foi quem criou a tudo e a todos, estando fora de discussão tanto a sua existência quanto a sua infinita bondade e sapiência.

A convicção na existência de Deus foi a base sobre a qual se construiu a comunidade humana desde seus primórdios, a inspiração dos sentimentos e valores sem os quais a civilização teria sido inviável. Em todas as religiões, Deus significa amor, justiça, fraternidade, igualdade e salvação. Não obstante, pode o amor a Deus, a fé na sua palavra, como já se viu, nos empurrar para a intolerância e para o ódio.

Não é fácil crer fervorosamente numa religião e, ao mesmo tempo, ser tolerante com as demais. As circunstâncias históricas e sociais podem possibilitar o convívio entre pessoas de crenças diferentes, mas, numa situação como do Oriente Médio hoje, é difícil manter esse equilíbrio. Ali, para grande parte da população, o conflito político e militar ganhou o aspecto de uma guerra religiosa e, assim, para eles, o seu inimigo é também inimigo de seu Deus e a sua luta contra ele, sagrada. Não é justo dizer que todos pensam assim, mas essa visão inabalável pode ser facilmente manipulada com objetivos políticos.

Isso ajuda a entender por que algumas caricaturas — publicadas inicialmente num jornal dinamarquês e republicadas em outros jornais europeus — provocaram a fúria de milhares de muçulmanos que chegaram a pedir a cabeça do caricaturista. Se da parte dos manifestantes houve uma reação exagerada — que não aceita desculpas e toma a irreflexão de alguns jornalistas como a hostilidade de povos e governos europeus contra o islã—, da parte dos jornais e do caricaturista houve certa imprudência, tomada como insulto à crença de milhões de pessoas.

Mas não cansamos de nos espantar com a reação, às vezes sem limites, a que as pessoas são levadas por suas convicções. E isso me faz achar que um pouco de dúvida não faz mal a ninguém. Aos messias e seus seguidores, prefiro os homens tolerantes, para quem as verdades são provisórias, fruto mais do consenso que de certezas inquestionáveis.


Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira (São Luís, 10 de setembro de 1930) é poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro.

A Corrupção e a Opinião Pública [Marcos Coimbra]

É sempre necessário conhecer o que pensam os cidadãos sobre os temas em debate no meio político. A opinião pública pode não ser a dimensão fundamental na democracia, mas é uma das mais importantes.

Suas preocupações e prioridades coincidem, muitas vezes, com as dos políticos e da imprensa. Em outras, no entanto, não são as mesmas.

A corrupção, por exemplo. Deve ter sido a palavra mais usada no Congresso e na mídia nos últimos meses.

A temporada começou com as denúncias contra Palocci e não se encerrou. Pelo contrário. Outros ministros caíram, dezenas de funcionários foram demitidos. Os partidos de oposição, como é natural, se aproveitaram desses casos para focar o discurso. Seria ilógico que desperdiçassem a oportunidade, apesar do telhado de vidro e de saberem, no íntimo, que enfrentariam dificuldades parecidas às de Dilma, se tivessem vencido a eleição.

A mídia oposicionista avaliou que esse era um flanco a explorar no ataque a seu inimigo figadal, o “lulopetismo”. Deu-lhe, portanto, farta cobertura (mas, como sempre, sem dedicar uma linha a quem corrompe).

Ao longo do mês, um terceiro elemento (não separado dos anteriores) entrou em cena. A partir do 7 de Setembro, foram tentadas algumas manifestações de protesto civil contra a corrupção, das quais a maior ocorreu em Brasília. Todas foram modestas.

A mais recente, que aconteceu esta semana no Rio de Janeiro, chegou a ser patética, apesar do espaço que sua preparação recebeu nos veículos do maior grupo de comunicação da cidade (e do país) e da simpatia com que foi tratada. Só faltou convocar a população, explicitamente, a participar do evento.

Apenas 2,5 mil pessoas apareceram, entre manifestantes - a maioria motivada por outras questões - e a turma que costuma circular no centro das grandes cidades. Alguns empunhavam as velhas vassouras do pior udenismo.

Nada de semelhante às manifestações de massa em outros países. Do mundo árabe à Europa, passando pelo Chile e chegando aos Estados Unidos, grandes e entusiasmados protestos, especialmente de jovens, tornaram-se parte decisiva do processo político.

Uma das razões que explicam a baixa adesão popular aos protestos anticorrupção no Brasil é o lugar que o tema possui na hierarquia dos problemas nacionais. Ele está longe de ser prioritário para a vasta maioria da população.

Em pesquisa realizada há dois meses pela Vox Populi, foi pedido aos entrevistados que dissessem quais os três principais problemas do país (em pergunta espontânea, i.e. sem exibir lista). Como mais grave, a corrupção foi citada por 5% dos ouvidos e ficou em sexto lugar.

Agregando as repostas de quem a colocou como um dos três mais relevantes, permaneceu na mesma posição.

Esses 5% podem ser comparados aos 38% que escolheram a saúde, aos 20% que citaram a segurança, aos 12% que responderam educação, aos 11% que mencionaram o desemprego e aos 5% que falaram em pobreza ou fome. Ou seja, não é uma preocupação central para muita gente.

Não se está aqui dizendo que seja pouco importante. As pessoas se preocupam com a corrupção e acham que é indispensável coibi-la.

Mas não consideram que o problema tenha se agravado ultimamente. Aliás, todas as pesquisas mostram que, quando se pedem comparações entre os governos do PT e do PSDB, a maioria acha que era mais sério antes da vitória de Lula.

Perguntadas sobre qual partido “tem políticos mais desonestos ”, as pessoas tendem a dizer “todos” (30%) ou (o que é parecido) não saber qual (36%). PT, PMDB e PSDB empatam, cada um com cerca de 8%, entre os que mencionam algum.

A corrupção não é, portanto, um tema que esteja pegando fogo na opinião pública. E não há, hoje, “culpados” claros por ela (como houve no passado, quando chegou a levar milhões de caras pintadas às ruas).

O mais importante, contudo, é que a grande maioria da população aprova o governo e confia na sua atuação. As pessoas acreditam que a corrupção é um dos muitos problemas que o país tem e que estão sendo enfrentados por Dilma.

É por que a opinião pública pensa assim que a “indignação” mobiliza tão pouca gente. Apesar dos esforços em contrário de alguns (poderosos).


Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi.