A Constituição determina que o Brasil é um
Estado laico e assegura liberdade religiosa para todos os cidadãos. As
autoridades devem dar garantias ao culto de qualquer religião, sem, no entanto,
agir em nome de nenhuma. Em uma democracia, esses princípios são importantes
porque preservam o pluralismo da sociedade e protegem o pleno exercício dos
direitos individuais.
Trata-se de uma conquista da civilização ocidental que se encontra ameaçada no Brasil. Hoje, fé e política parecem manter uma relação espúria, na qual princípios religiosos contaminam de forma indevida o processo legislativo nacional. Absurdamente, começa-se a achar natural que projetos de lei submetidos à Câmara dos Deputados, ainda que consonantes com os princípios da Constituição e dirigidos ao todo da população — religiosa ou não —, tenham de passar pelo crivo doutrinário das igrejas e fiquem reféns de sua sanção.
Retira-se, assim, de parcela considerável do
povo brasileiro, a possibilidade de regular seus direitos constitucionais fora
de preceitos bíblicos que não abraçou. Ao mesmo tempo, as lideranças religiosas
assumem ares de superioridade moral e alavancam seus interesses políticos
baseados em uma ideologia teocrática de exclusão, que desqualifica quem não
partilha de sua fé.
Ninguém é melhor ou mais ético porque tem
religião. Cada um tem o direito de escolher os princípios morais que nortearão
sua vida de acordo com a sua consciência. Essa prerrogativa fundamenta os
direitos individuais. Foi conquistada a duras penas, em reação, justamente, ao
monopólio ideológico e religioso que, diversas vezes na história, impôs-se com
resultados terríveis para a humanidade.
Ao longo dos séculos, muitas atrocidades
foram cometidas em nome da Bíblia e de outros textos religiosos. Não fosse a
garantia da pluralidade democrática, o mesmo deputado que vocifera contra
cultos de matriz africana ou direitos reprodutivos das mulheres, poderia ter
sido queimado na fogueira da Inquisição católica ou morto por apedrejamento
como infiel.
O Brasil é um país diverso. E quer continuar
a sê-lo. Nele, não deve haver espaço para a intolerância O Congresso não
legisla apenas para quem tem religião. Tem de proteger a todos. Tentar impor
uma ideologia religiosa por meio da ação legislativa desfigura nossa
democracia. Os religiosos têm o direito de observar seus princípios, mas não
podem impingi-los ao resto da população. O Brasil não é regido pela Bíblia. Que
os religiosos cultuem o que quiserem, mas que respeitem quem não pensa e não
quer viver como eles.
É importante que as autoridades do governo
tentem colocar em perspectiva a ação política de grupos religiosos no Brasil. O
Estado brasileiro é laico e deve comportar-se como tal. Em mais de uma
instância, minorias sociais têm visto seus direitos individuais virarem moeda de
troca. Tolerar a intolerância pode render votos, mas não é uma forma justa de
governar.
Alexandre Vidal é advogado.
perfeita colocação!
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