segunda-feira, 11 de junho de 2012

Entrevista: Deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ)


O senhor faz parte do grupo de parlamentares que acompanhará os trabalhos da Comissão da Verdade pelo Congresso. Como a Casa pode contribuir com a comissão?

A Comissão Especial de Acompanhamento da Comissão da Verdade foi instalada como um instrumento de pressão do Legislativo sobre o Executivo, porque o governo Dilma estava demorando demais para indicar os membros da Comissão da Verdade. Nós já fizemos audiências e oitivas, ouvindo gente dos dois lados. A última que fizemos foi no Espírito Santo. Nós ouvimos dois agentes da repressão, o Marivaldo Chaves e o Cláudio Guerra, que recentemente publicou um livro chamado Memórias de uma guerra suja, onde descreve como incinerou corpos de presos políticos mortos pela ditadura.

O depoimento do Cláudio Guerra esclarece fatos importantes?

O Cláudio é um cara que tem um passado ligado ao crime organizado. A gente quer acatar esse depoimento com um pé atrás. Hoje ele é pastor evangélico da Assembleia de Deus. É difícil saber se a decisão dele de falar é fruto de um profundo arrependimento ou se ele é um cara que quer criar uma cortina de fumaça trazendo à tona crimes que já foram prescritos.

O senhor defende a revisão da Lei da Anistia?

Ela deveria ser revista, as pessoas têm que pagar. Com a Lei da Anistia, a Justiça não se realiza. Temos que criar condições para que a tortura não aconteça mais. Ela existe ainda hoje nas prisões. A presidente disse em uma entrevista que se sente impotente para erradicar essa herança maldita que é a tortura nas prisões. Eu achei lamentável, a gente nunca pode se sentir impotente para enfrentar a tortura.

Esse debate não colaboraria para alimentar tensões entre militares e ex-presos políticos?

Sim, mas a gente não pode ter medo de brigas, não. A política é o espaço do enfrentamento. A gente já fez concessões demais para essa gente. Mesmo que não seja possível rever a lei, o debate tem que ser feito.

Como o senhor entrou para a política?

Eu comecei com o movimento pastoral da Igreja Católica, mas aos 16 anos eu me afastei da igreja por causa da minha sexualidade.

Como isso aconteceu?

Eu me assumi gay e a igreja não contempla essa discussão. Quando eu cheguei para falar com o bispo da minha cidade, ele me disse que eu estava perdendo a fé. Que era a hora de eu sair. E eu saí. Aí, quando me mudei para Salvador, me engajei no movimento gay. Houve uma breve interrupção com a minha participação no programa...

Sua participação no Big Brother Brasil teve influência no caminho na política?

De certa forma. Eu fiquei muito exposto, a minha vida saiu do trilho que eu havia desenhado. Quando saí do programa, comecei um processo lento de retorno à minha vida, me afastei deliberadamente desse universo de celebridades. Passei um tempo trabalhando como repórter da TV Globo, pedi demissão e voltei à academia para dar aula. Aí depois disso, a Heloísa Helena me fez o convite para me filiar ao PSol.

Como foi esse primeiro contato?

Uma amiga nossa nos apresentou e ela falou que eu tinha de aproveitar o capital de popularidade que eu tinha, o meu engajamento, e buscar um partido. Me filiei ao PSol e a Heloísa disse que eu deveria sair candidato. Relutei durante um tempo, estava preocupado por achar que não tinha me distanciado o suficiente do programa. Mas deu tudo certo.

O Congresso era o que o senhor esperava?

O Legislativo é o mais democrático dos Poderes, mas ele acontece no tempo da democracia. A gente não tem nada para colocar no lugar da democracia, mas reconhece todos os problemas dela. Eu trouxe a novidade de ser um homossexual assumido atuando nessa questão dos direitos humanos no Congresso, dilatando a pauta para conter as reivindicações da comunidade homossexual. Isso é uma experiência nova.

Antes do senhor teve o Clodovil...

O Clodovil quase não fez essa atuação de defesa dos direitos da comunidade homossexual. Ele não trazia as bandeiras do movimento para cá. Ele não foi eleito pela comunidade. Quer dizer, eu também não fui. A comunidade LGBT ainda não tem a capacidade de eleger um representante, não despertou politicamente para isso. Se já tivesse despertado, já teria eleito muita gente.

O Senado está discutindo agora o PLC 122, que torna crime a homofobia. O senhor acredita que o Congresso possa chegar a um consenso sobre o tema?

É difícil. O projeto implica em limitação de liberdade e o espírito humano tende a rejeitar limitações. Fica muito fácil para os evangélicos demonizarem o projeto, mas o que o texto faz é exigir deles responsabilidade com a liberdade de expressão. Por isso é tão controverso. Acho que as chances de ser aprovado são menores do que a PEC do casamento civil entre homossexuais.

Por quê?

A proposta não se mete nas religiões. O casamento é civil, é aquele que pode ser dissolvido pelo divórcio. Toda a discussão de que o casamento civil se confunde com o casamento religioso foi derrubada com a aprovação da Lei do Divórcio. Aqui, no Brasil, as pessoas tentam minimizar essa pauta como se fosse uma coisa de veado. Não, ela é da sociedade, é uma pauta crucial da democracia.

Essa discussão será uma nova briga com a bancada evangélica?

Eu não sou inimigo dos evangélicos, mas há parlamentares fundamentalistas aqui que se arvoram a falar em nome de toda a comunidade evangélica. O movimento LGBT é inimigo dos fundamentalistas evangélicos, certamente. Mas nem todo evangélico é fundamentalista.

A Frente Parlamentar Evangélica seria, então, composta de fundamentalistas, na opinião do senhor?

Sim, com certeza. Embora tenha exceções a essa regra. A bancada trabalha para perseguir não só os homossexuais, mas também as religiões minoritárias, de raiz africana. Eu não quero isso para o Brasil. Nós conquistamos a democracia a muito custo, eu não quero deixar que essa gente ameace a nossa Constituição cidadã.

O que o senhor faz em Brasília, nas horas de folga?

A minha rotina aqui são as atividades que envolvem a vida parlamentar. Em Brasília, minha vida social é zero. De vez em quando, se sobra um espaço na quinta-feira à tarde, eu me permito tomar uma sauna no Hotel Nacional. Minha vida social é no Rio, mas lá também me falta tempo. A vida pública traz limitações da liberdade, é algo com que você tem que aprender a lidar. Eu fico muito em casa, sou muito caseiro, leio muito, durmo pouco.

Quais são seus planos para 2014?

Para alguns, a política é um rodeio, a ideia é ficar em cima do boi a qualquer custo. Para mim, ela é um cavalo que me leva do ponto A ao ponto B. Ela existe para melhorar nossa vida e eu entrei na política para isso. Eu não trabalho pensando em uma próxima eleição.

Mas pretende se candidatar?

Ainda não me decidi. Pode ser que eu me candidate de novo, pode ser que esse seja o meu único mandato. Minhas bandeiras não dão votos, mas fazem me sentir útil. Eu não tenho medo de não ser reeleito.


Publicado no Correio Braziliense, em 10/06/2012.

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