terça-feira, 26 de junho de 2012

O governo Dilma parece velho [Marco Antonio Villa]


O governo Dilma Rousseff completa 18 meses. Acumulou fracassos e mais fracassos. O papel de gerente eficiente foi um blefe. Maior, só o de faxineira, imagem usada para combater o que chamou de malfeitos. Na história da República, não houve governo que, em um ano e meio, tenha sido obrigado a demitir tantos ministros por graves acusações de corrupção.

Como era esperado, a presidente não consegue ser a dirigente política do seu próprio governo. Quando tenta, acaba sempre se dando mal. É dependente visceralmente do seu criador. Está satisfeita com este papel. E resignada. Sabe dos seus limites. O presidente oculto vai apontando o rumo e ela segue obediente. Quando não sabe o que fazer, corre para São Bernardo do Campo. A antiga Detroit brasileira virou a Meca do petismo. Nunca tivemos um ex-presidente que tenha de forma tão cristalina interferido no governo do seu sucessor. Lembra o que no México foi chamado de Maximato (1928-1934), quando Plutarco Elias Calles foi o homem forte durante anos, sem que tenha exercido diretamente a presidência. Lá acabou numa ruptura. Em 1935 Lázaro Cárdenas se afastou do "Chefe Máximo" da Revolução. Aqui, nada indica que isso possa ocorrer. Pelo contrário, pode ser que em 2014 o criador queira retomar diretamente as rédeas do poder e mande para casa a criatura.

O PAC - pura invenção de marketing para dar aparência de planejamento estatal - tem como principal marca o atraso no cronograma das obras, além de graves denúncias de irregularidades. O maior feito do "programa" foi ter alçado uma desconhecida construtora para figurar entre as maiores empreiteiras brasileiras. De resto, o PAC é o símbolo da incompetência gerencial: os conhecidos gargalos na infraestrutura continuam intocados, as obras da Copa do Mundo estão atrasadas, o programa "Minha Casa, Minha Vida" não conseguiu sequer atingir 1/3 das metas.

O Nordeste é o exemplo mais cristalino de como age o governo Dilma. A região passa pela seca mais severa dos últimos 30 anos. A falta de chuva já era sabida. Mas as autoridades federais não estavam preocupadas com isso. Pelo contrário. O que interessava era resolver a partilha da máquina estatal na região entre os partidos da base. Duas agências foram entregues salomonicamente: uma para o PMDB (o DNOCS) e outra para o PT (o Banco do Nordeste). E a imprensa noticiou graves desvios nos dois órgãos, que perfazem quase 300 milhões de reais. A "punição" foi a demissão dos gestores. Enquanto isso, desejando mostrar alguma preocupação com os sertanejos, o governo instituiu a bolsa-seca, 80 reais para cada família cadastrada durante 5 meses, perfazendo 400 reais (o benefício será extinto em novembro, pois, de acordo com a presidente, vai chover na região e tudo, magicamente, vai voltar ao normal). Isto mesmo, leitor. Esta é a equidade petista: para os mangões, tudo; para os sertanejos, uma esmola.

Greves pipocam pelo serviço público. As promessas de novos planos de carreiras nunca foram cumpridas. A educação é o setor mais caótico. Não é para menos. Tem à frente o ministro Aloizio Mercadante. Quando passou pelo Ministério da Ciência e Tecnologia nada fez. Só discursou e fez promessas. E as realizações? Nenhuma. Mercadante lembra Venceslau Braz. Durante o quadriênio Hermes da Fonseca, Venceslau foi um vice-presidente sempre ausente da Capital Federal. Vivia pescando em Itajubá. Quando foi alçado à presidência da República, o poeta Emílio de Menezes comentou sarcasticamente: "É o único caso que conheço de promoção por abandono de emprego." Mercadante é um versão século XXI de Venceslau. O sistema federal de ensino superior está parado e vive uma grave crise. O que ele faz? Finge que nada está acontecendo. Quando resolve se manifestar, numa recaída castrense, diz que só negocia quando os grevistas voltarem ao trabalho.

A crise econômica mundial também não mereceu a atenção devida. Como o governo só administra o varejo e não tem um projeto para o país, enfrenta as turbulências com medidas paliativas. Acha que mexendo numa alíquota resolve o problema de um setor. Sempre a política adotada é aquela mais simples. Tudo é feito de improviso. É mais que evidente que o modelo construído ao longo das últimas duas décadas está fazendo água (e não é de hoje). É necessário mudar. Mas o governo não tem a mínima ideia de como fazer isso. Prefere correr desesperadamente atrás do que considera uma taxa de crescimento aceitável eleitoralmente. É a síndrome de 2014. O que importa não é o futuro do país, mas a permanência no poder.

Na política externa, se é verdade que Patriota não tem os arroubos juvenis de Amorim, o que é muito positivo, os dez anos de consulado petista transformaram a Casa de Rio Branco em uma espécie de UNE da terceira idade. A política externa está em descompasso com as necessidades de um país que pretende ter papel relevante na cena internacional. O Itamaraty transformou-se em um ministério marcado por derrotas. A última foi na Rio+20, quando, até por ser a sede do evento, deveria exercer não só um papel de protagonista, como também de articulador. A nossa diplomacia perdeu a capacidade de construir consensos. Assimilou o "estilo bolivariano", da retórica panfletária e vazia, e, algumas vezes, se tornou até caudatária dos caudilhos, como agora na crise paraguaia.

O governo Dilma parece velho, sem iniciativa. Parodiando o poeta: todo dia ele faz tudo sempre igual. E saber que nem completou metade do mandato. Pobre Brasil.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Entrevista: Deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ)


O senhor faz parte do grupo de parlamentares que acompanhará os trabalhos da Comissão da Verdade pelo Congresso. Como a Casa pode contribuir com a comissão?

A Comissão Especial de Acompanhamento da Comissão da Verdade foi instalada como um instrumento de pressão do Legislativo sobre o Executivo, porque o governo Dilma estava demorando demais para indicar os membros da Comissão da Verdade. Nós já fizemos audiências e oitivas, ouvindo gente dos dois lados. A última que fizemos foi no Espírito Santo. Nós ouvimos dois agentes da repressão, o Marivaldo Chaves e o Cláudio Guerra, que recentemente publicou um livro chamado Memórias de uma guerra suja, onde descreve como incinerou corpos de presos políticos mortos pela ditadura.

O depoimento do Cláudio Guerra esclarece fatos importantes?

O Cláudio é um cara que tem um passado ligado ao crime organizado. A gente quer acatar esse depoimento com um pé atrás. Hoje ele é pastor evangélico da Assembleia de Deus. É difícil saber se a decisão dele de falar é fruto de um profundo arrependimento ou se ele é um cara que quer criar uma cortina de fumaça trazendo à tona crimes que já foram prescritos.

O senhor defende a revisão da Lei da Anistia?

Ela deveria ser revista, as pessoas têm que pagar. Com a Lei da Anistia, a Justiça não se realiza. Temos que criar condições para que a tortura não aconteça mais. Ela existe ainda hoje nas prisões. A presidente disse em uma entrevista que se sente impotente para erradicar essa herança maldita que é a tortura nas prisões. Eu achei lamentável, a gente nunca pode se sentir impotente para enfrentar a tortura.

Esse debate não colaboraria para alimentar tensões entre militares e ex-presos políticos?

Sim, mas a gente não pode ter medo de brigas, não. A política é o espaço do enfrentamento. A gente já fez concessões demais para essa gente. Mesmo que não seja possível rever a lei, o debate tem que ser feito.

Como o senhor entrou para a política?

Eu comecei com o movimento pastoral da Igreja Católica, mas aos 16 anos eu me afastei da igreja por causa da minha sexualidade.

Como isso aconteceu?

Eu me assumi gay e a igreja não contempla essa discussão. Quando eu cheguei para falar com o bispo da minha cidade, ele me disse que eu estava perdendo a fé. Que era a hora de eu sair. E eu saí. Aí, quando me mudei para Salvador, me engajei no movimento gay. Houve uma breve interrupção com a minha participação no programa...

Sua participação no Big Brother Brasil teve influência no caminho na política?

De certa forma. Eu fiquei muito exposto, a minha vida saiu do trilho que eu havia desenhado. Quando saí do programa, comecei um processo lento de retorno à minha vida, me afastei deliberadamente desse universo de celebridades. Passei um tempo trabalhando como repórter da TV Globo, pedi demissão e voltei à academia para dar aula. Aí depois disso, a Heloísa Helena me fez o convite para me filiar ao PSol.

Como foi esse primeiro contato?

Uma amiga nossa nos apresentou e ela falou que eu tinha de aproveitar o capital de popularidade que eu tinha, o meu engajamento, e buscar um partido. Me filiei ao PSol e a Heloísa disse que eu deveria sair candidato. Relutei durante um tempo, estava preocupado por achar que não tinha me distanciado o suficiente do programa. Mas deu tudo certo.

O Congresso era o que o senhor esperava?

O Legislativo é o mais democrático dos Poderes, mas ele acontece no tempo da democracia. A gente não tem nada para colocar no lugar da democracia, mas reconhece todos os problemas dela. Eu trouxe a novidade de ser um homossexual assumido atuando nessa questão dos direitos humanos no Congresso, dilatando a pauta para conter as reivindicações da comunidade homossexual. Isso é uma experiência nova.

Antes do senhor teve o Clodovil...

O Clodovil quase não fez essa atuação de defesa dos direitos da comunidade homossexual. Ele não trazia as bandeiras do movimento para cá. Ele não foi eleito pela comunidade. Quer dizer, eu também não fui. A comunidade LGBT ainda não tem a capacidade de eleger um representante, não despertou politicamente para isso. Se já tivesse despertado, já teria eleito muita gente.

O Senado está discutindo agora o PLC 122, que torna crime a homofobia. O senhor acredita que o Congresso possa chegar a um consenso sobre o tema?

É difícil. O projeto implica em limitação de liberdade e o espírito humano tende a rejeitar limitações. Fica muito fácil para os evangélicos demonizarem o projeto, mas o que o texto faz é exigir deles responsabilidade com a liberdade de expressão. Por isso é tão controverso. Acho que as chances de ser aprovado são menores do que a PEC do casamento civil entre homossexuais.

Por quê?

A proposta não se mete nas religiões. O casamento é civil, é aquele que pode ser dissolvido pelo divórcio. Toda a discussão de que o casamento civil se confunde com o casamento religioso foi derrubada com a aprovação da Lei do Divórcio. Aqui, no Brasil, as pessoas tentam minimizar essa pauta como se fosse uma coisa de veado. Não, ela é da sociedade, é uma pauta crucial da democracia.

Essa discussão será uma nova briga com a bancada evangélica?

Eu não sou inimigo dos evangélicos, mas há parlamentares fundamentalistas aqui que se arvoram a falar em nome de toda a comunidade evangélica. O movimento LGBT é inimigo dos fundamentalistas evangélicos, certamente. Mas nem todo evangélico é fundamentalista.

A Frente Parlamentar Evangélica seria, então, composta de fundamentalistas, na opinião do senhor?

Sim, com certeza. Embora tenha exceções a essa regra. A bancada trabalha para perseguir não só os homossexuais, mas também as religiões minoritárias, de raiz africana. Eu não quero isso para o Brasil. Nós conquistamos a democracia a muito custo, eu não quero deixar que essa gente ameace a nossa Constituição cidadã.

O que o senhor faz em Brasília, nas horas de folga?

A minha rotina aqui são as atividades que envolvem a vida parlamentar. Em Brasília, minha vida social é zero. De vez em quando, se sobra um espaço na quinta-feira à tarde, eu me permito tomar uma sauna no Hotel Nacional. Minha vida social é no Rio, mas lá também me falta tempo. A vida pública traz limitações da liberdade, é algo com que você tem que aprender a lidar. Eu fico muito em casa, sou muito caseiro, leio muito, durmo pouco.

Quais são seus planos para 2014?

Para alguns, a política é um rodeio, a ideia é ficar em cima do boi a qualquer custo. Para mim, ela é um cavalo que me leva do ponto A ao ponto B. Ela existe para melhorar nossa vida e eu entrei na política para isso. Eu não trabalho pensando em uma próxima eleição.

Mas pretende se candidatar?

Ainda não me decidi. Pode ser que eu me candidate de novo, pode ser que esse seja o meu único mandato. Minhas bandeiras não dão votos, mas fazem me sentir útil. Eu não tenho medo de não ser reeleito.


Publicado no Correio Braziliense, em 10/06/2012.

domingo, 10 de junho de 2012

Marcelo Gleiser - Breve meditação sobre o Nada.


Recentemente, envolvi-me num debate com o físico Lawrence Krauss, que publicou um livro no qual afirma que a física hoje explica como o Universo surgiu do nada. Ou seja, a velha questão da Criação sob roupagem científica, e mais um exemplo de arrogância intelectual.

É bom começar com Aristóteles, que decidiu que a "natureza detesta o vácuo", declarando que o "nada" não existe, ao menos como vazio absoluto. Para ele, o espaço era pleno de éter, a substância dos planetas e demais objetos celestes.

No século 17, Descartes também propôs que a natureza era plena. Os planetas eram carregados em torno do Sol por redemoinhos celestes, criados pela circulação duma substância que enchia o espaço. Newton mostrou que Descartes estava errado, argumentando que a fricção causaria a queda da Lua sobre a Terra. Para ele, a gravidade podia ser explicada por uma força à distância, agindo no vazio.

Esse pingue-pongue continuou até o século 19, quando James Maxwell mostrou que a luz é uma onda eletromagnética. Como toda onda, precisava dum meio para se propagar. Maxwell e outros sugeriram o éter, diferente do dos gregos, mas que preenchia o espaço sem provocar fricção nas órbitas celestes. Em 1905, Einstein mostrou que o éter era desnecessário: as ondas de luz podem se propagar no espaço vazio. Mais uma vez, o éter some.

Em torno da mesma época veio a mecânica quântica, para explicar a física dos átomos. Foi então que tudo mudou: as regras no mundo dos átomos são diferentes das do nosso mundo. Mais precisamente, seus efeitos existem no nosso mundo, mas são imperceptíveis.

No mundo atômico, nada para. A matéria vibra incessantemente, feito gelatina sacudida. Se você tenta localizar um elétron num ponto do espaço, ele escapa feito uma gota de mercúrio. Esse é o princípio da incerteza de Heisenberg, que impõe um limite absoluto na informação que podemos obter do mundo. Como movimento tem energia, o princípio também diz que a energia nunca é zero. Na física moderna, representamos uma partícula como excitação de um campo. O espaço é permeado por campos que, de vez em quando, criam partículas.

Os campos vibram incessantemente e, com isso, podem criar partículas com energias variadas: quanto maior a energia, menos tempo essas partículas duram, retornando ao "nada" de onde vieram, o campo vazio (ou vácuo). Se incluirmos a gravidade nesse esquema, e entendendo que é interpretada como a curvatura do espaço causada pela matéria, flutuações quânticas no campo gravitacional levam à flutuações na curvatura do espaço.

Temos, então, o espaço vazio, o "Nada", onde uma flutuação pode levar a uma bolha de espaço, um cosmoide que pode crescer e se transformar num universo inteiro.

É assim que a cosmologia descreve a criação do Universo a partir do nada. Esse tipo de explicação pressupõe toda uma estrutura conceitual, e não faz sentido sem ela. Já não basta celebrar a inventividade humana, capaz de criar teorias desse tipo, sem ter de elevá-la a um nível divino? Parece-me óbvio que a mente humana não pode criar num vácuo: o "nada" absoluto é importante como instrumento metafísico, mas sem importância no mundo real.

 
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".

terça-feira, 5 de junho de 2012

Prefeitura muda nome do bairro 2 de julho: agora é Santa Teresa [Carlos Verçosa]


Primeiro foi o Aeroporto 2 de Julho, que virou Aeroporto Luis Eduardo Magalhães. Agora é o Bairro 2 de Julho, um dos últimos enclaves do Centro Histórico, Centro Antigo ou Bahia Antiga – como chamam o patrimônio histórico e cultural que sobrou da parte central da primeira capital do Brasil em Salvador.

Eles, os especuladores de sempre, estão querendo mudar o nome em nome de uma pretensa "humanização" que exclui os moradores. [Como já, criminosamente, fizeram com o Pelourinho.] Para tanto, isso passa por uma defecção do bairro, o que inclui a sua criminalização, acusando-o como novo point da crackolândia, o que, com certeza, não o é: é só mais um bairro do centro de Salvador.

Um bairro de gente simples, trabalhadora, que tem tantos consumidores de droga quanto em outros pontos do mesmíssimo centro. Falo de pontos de usuários de crack que pululam pelo centro de Salvador, a exemplo da Praça da Piedade [que fica justamente em frente à Secretaria de Segurança Pública do Estado].

Ou a exemplo da Praça Municipal, exatamente em frente à Prefeitura de Salvador, onde fica encastelado o prefeito João Henrique, que quer enfiar mais este 'projeto' goela abaixo da população. Ou - para continuar batendo no mesmo point - da Câmara Municipal, onde os vereadores continuam calados ou mancomunados com projetos espúrios como este, como sempre.

Quererem alegar que o 2 de Julho, um Bairro de gente decente, feira livre e comércio tradicionais, um autêntico ponto de resistência e referência cultural da nossa cidade, teria se tornado hoje ponto de bandidagem: isso sim é uma tremenda bandidagem, armação dessa gente mal intencionada. Trata-se apenas mais uma estratégia maquiavélica visando desqualificar e descaracterizar o Bairro 2 de Julho como 'Bairro' da nossa cidade e caracterizá-lo apenas como 'localidade'.

Explico: para ser considerado Bairro é preciso, por exemplo, que itens essenciais como 'Educação', entre outros, estejam contemplados no bairro, caracterizando-o como tal. Lamentavelmente, é exatamente por isso que o Governo vem tentando fechar o Colégio Ypiranga (tradicional colégio, que atende a crianças do bairro e filhos de ambulantes que trabalham na Avenida Sete e adjacências).

A explicação, agravante: estão fazendo isso porque o prédio do Colégio Ypiranga é um verdadeiro filé mignon para empreendimentos hoteleiros tipo ‘Convento do Carmo’, pois trata-se, nada mais nada menos, do que o casarão oitocentista onde viveu e morreu o poeta Castro Alves. Isso mesmo: pire aí - como dizem os da nova geração.


Essa gente quer transformar o Colégio Ypiranga em hotel ou ‘shopping cultural’ ou outra sandice qualquer: centro de baticum, centro de capoeira, qualquer desculpa, qualquer coisa, menos colégio, instituição de ensino.

Atitude deliberada, (in)justamente visando tirar a condição de 'bairro' do Bairro 2 de Julho, tornando-o uma 'localidade' do centro antigo de Salvador e, assim, levarem adiante seu intento de especulação de interesse internacional.

Como a comunidade já começou a reagir, agora eles já estão tentando tergiversar, alegando em palestras promovidas por entidades governamentais sediadas em Salvador que o 'Largo 2 de Julho' , absolutamente, não se preocupem que não mudará de nome. É muita cara-de-pau. Essa tentativa de atribuir apenas a um Largo o nome de todo um Bairro não passa de cortina de fumaça.

Mas, que assim seja: isso é o que os moradores também querem: que não mudem nem o nome do Largo 2 de Julho, e, muito menos, do Bairro onde ser localiza este largo referencial, o Bairro 2 de Julho. Bairro sim, senhores governantes desta triste Bahia ó quão dessemelhante: Bairro, com B maiúsculo. Um Bairro onde a História da Bahia se escreveu - e se escreve - por becos e ruas tradicionais.

Pontos importantes, como a Rua do Cabeça, Rua da Forca, Ladeira da Preguiça, Rua do Sodré > onde Castro Alves viveu e onde se localiza o Museu de Arte Sacra da Bahia < Areal de Cima, Areal de Baixo, Rua Evaristo da Veiga, Fantoches da Euterpe etc. até a Ladeira de Santa Teresa - nome que essa gente que extrapolar para todo o Bairro Dois de Julho.

Alegam que a denominação ‘Santa Teresa', nome de uma santa da religião católica, é mais ‘palatável’ para o consumo e para o turismo. Para tanto, além da homenagem à mística carmelita de Ávila, eles se estribam no exemplo do bairro Santa Teresa no Rio de Janeiro, bucólico e histórico recanto turístico daquela cidade. Nada contra Santa Teresa, senhores, ela até que é uma santa simpática: mas deixem o nome do Bairro 2 de Julho em paz.

E, a propósito: não se trata de exagero nem de maluquice nem de paranóia. O problema existe. Na real.  Basta entrar no site que vem sendo divulgado irresponsavelmente pela Prefeitura de Salvador e conferir:
http://issuu.com/cideu/docs/humaniza__o_de_bairro_santatereza

Ali, o prefeito João Henrique, aliado ao capital do megaemprersariado local e internacional vem 'vendendo' o Bairro 2 de Julho fora do Brasil como 'Bairro Santa Teresa'. Isso aí: assim mesmo, decidido de cima pra baixo e ponto final. E já há um bom tempo.

Neste site você poderá se inteirar dos argumentos defendidos pelos empresários & Prefeitura para o 'novo bairro de Salvador' e, inclusive, assistir às simulações e projeções das 'novas' ruas do Bairro, devidamente repaginadas sob o eufemismo de "humanização". Depois disso tudo, se você também se sentir, mais uma vez, traído, como bahiano, indigne-se e faça o seu protesto.

Como bem disse o poeta Zahia Bahia - cuicadesantamarando e declarando seu (nosso) amor na estrofe final do cordel "O Que É Que a Bahia Tem Contra o 2 de Julho ?":

nosso amor ao 2 de Julho
2 de Julho influência
2 de Julho independência
Por ti faremos barulho
2 de Julho por favor
2 de Julho meu orgulho
2 de Julho meu amor

Dois de Julho sim, Santa Teresa não. Não como nome do Bairro.

Em tempo: Só pra registrar: a famosa mística das irmãs carmelitas não descuidada das coisas práticas: ela bem que sabia fazer uso das coisas materiais para o serviço da igreja.
Aliás, foi ela mesmo quem disse um dia: "Teresa sem a graça de Deus é uma pobre mulher; com a graça de Deus, uma fortaleza; com a graça de Deus e muito dinheiro, uma potência."

Metáfora apropriada para as forças que a comunidade do Bairro 2 de Julho está enfrentando na luta pela preservação do nome: a fortaleza do megaempresariado, que conta com a graça da Prefeitura de Salvador e muito dinheiro, formando uma potência.

Mas vale lembrar também as bíblicas Muralhas de Jericó, que eram altas e poderosas [Josué 6, 5], praticamente inexpugnáveis naquela Palestina distante 1200 anos a.C., e que não resistiram aos sete dias de som das trombetas. Vamos fazer soar as trombetas do protesto contra a mudança do nome Bairro 2 de Julho, fazendo coro à pergunta formulada no cordel, bem no espírito bahiano de Caymmi: 
afinal, o que é que a Bahia tem [ou as autoridades da Bahia têm] contra o 2 de Julho?


Paranaense radicado na Bahia, Carlos Verçosa é publicitário, roteirista, poeta. Autor do livro “Oku, viajando com Bashô”

sábado, 2 de junho de 2012

Em defesa do direito de defesa [Márcio Thomaz Bastos]


Em 1956, solicitador acadêmico - o equivalente de então de estagiário -, comecei a advogar. Exerci a atividade ininterruptamente, de forma intensa, conquanto modesta, até 2002. Parei em 2002 e assumi, extremamente honrado, o Ministério da Justiça, no governo Lula, onde fiquei por 50 meses.

Fiz uma quarentena, que não me era obrigatória, até final de 2007, quando voltei a me dedicar ao meu verdadeiro ofício, a prática legal. Ou seja, para terminar esta exposição cheia de datas, de 1956 a 2012 (56 anos) fui ministro por quatro anos. Os outros 52, devotei-os à advocacia.

Também servi à profissão como dirigente da OAB-SP e da OAB nacional. Na vida profissional, alguns momentos me orgulharam muito: as Diretas Já, a Constituinte, o julgamento dos assassinos de Chico Mendes, a fundação do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e muitas centenas de defesas que assumi, tanto no júri como no juiz singular.

No Ministério da Justiça, a reestruturação da Polícia Federal, a construção do Sistema Penitenciário Federal, a reforma do Judiciário, a campanha do desarmamento, a reformulação da Secretaria de Direito Econômico, a implantação do Sistema Único de Segurança Pública, o pioneiro Programa de Transparência, a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol e a fundação da Força Nacional de Segurança Pública.

Foram duas fases bem distintas e demarcadas. Numa, o serviço público, trabalho balizado sob o signo de duas lealdades que nunca colidiram: às instituições e à Presidência.

Noutra (advocacia e OAB), primeiro a luta pelo estabelecimento de um Estado de Direito; depois, a prática profissional, que procurei marcar pelo respeito à ética, ao estatuto da OAB, às leis e, principalmente, à Constituição brasileira, entre cujos dogmas fundamentais estão assegurados o direito de ampla defesa, o devido processo legal, o contraditório, a licitude das provas, a presunção de inocência e, de forma geral, a proibição dos abusos.

Durante essa longa trajetória de advogado que vota no PT - não de petista que advoga -, tive muitas oportunidades de representar clientes vistos como inimigos figadais do partido. (Não cito nomes, para preservá-los.) Nenhum foi recusado por isso. Desse modo, salvei minha independência como defensor, nunca a alienando a quem quer que fosse. A liberdade do advogado é condição necessária da defesa da liberdade.

Assim como representei centenas de clientes dos quais nunca recebi honorários, trabalhei para muitos que puderam pagar, alguns ricos, entre pessoas físicas e empresas. Agora que aceitei representar, no campo criminal, o senhor Carlos Augusto Ramos, apelidado de Cachoeira, surgem comentários sobre a minha atuação, estritamente técnica.

Fora os costumeiros canibais da honra alheia -aos quais não dou atenção nem resposta-, pessoas que parecem bem-intencionadas questionam se eu poderia (ou deveria) ter me incumbido dessa defesa, ou porque fui Ministro da Justiça, ou então porque sou ligado ao PT e ao ex-presidente Lula, ou, ainda, "porque não tenho necessidade de fazer isso".

A todas essas dúvidas, a resposta é negativa. Nada me proíbe, nesta altura da vida -como nunca antes, à exceção do tempo do serviço público- de assumir a defesa de alguém com quem não me sinto impedido, legal, moral ou psicologicamente, cobrando ou não honorários. Entre tantos casos importantes em que venho trabalhando, dois chamaram muito a atenção pública: esse e o das cotas na UnB. No primeiro, estou recebendo honorários; no segundo, trabalhei "pro honorem", ou seja, sem nenhuma remuneração.

Em matéria criminal, aumenta a responsabilidade do advogado, nos termos do nosso código de ética: "É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar a sua própria opinião sobre a culpa do acusado". Porque, como diz Rui Barbosa, indo nas raízes da questão:

"Quando quer e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz dos seus direitos legais."

O fascinante da profissão é o seu desafio. Enfrentar o Estado -tão provido de armas, meios e modos de atingir o acusado- e ser, ao lado deste, a voz de seus direitos legais. Há 12 anos, escrevi neste mesmo espaço um texto com o mesmo título: "Em defesa do direito de defesa". Não esperava ser convidado a escrever outro, sobre o mesmo tema, depois de tantos avanços institucionais que o Brasil viveu de lá pra cá.


Publicado na Folha de São Paulo, em 29/05/2012.


MÁRCIO THOMAZ BASTOS, 76 anos, é advogado criminalista. Foi ministro da Justiça no governo Lula (de 2003 a 2007).