sábado, 21 de janeiro de 2012

Como as abelhas exercem a democracia. [Fernando Reinach]

Apesar de terem uma rainha, as abelhas tomam decisões usando um processo democrático, que envolve a formação de opiniões individuais e a construção de um consenso coletivo. Agora foi descoberto um novo mecanismo que atua nesse processo. Um sofisticado processo de inibição é capaz de transformar os proponentes da proposta perdedora em defensores da proposta vencedora. Esse mecanismo permite à colmeia atuar unida após o término da eleição.

O processo de formação de uma nova colmeia é bem conhecido. Uma jovem rainha e um grupo de operárias saem da colmeia original e se agrupam em um local próximo. Sua primeira tarefa é decidir onde vão construir a nova colmeia. É uma decisão importante, uma vez que a escolha de um local ruim pode levar a colmeia incipiente à extinção.

Na primeira etapa, o grupo envia as operárias mais experientes para sondar as redondezas. Cada uma delas escolhe o local que acha melhor e defende a sua escolha. Isso ocorre por meio de uma espécie de dança. Essa dança tem duas partes: a primeira consiste em caminhar rebolando em linha reta; a segunda, numa curva sem rebolado, que faz com que a abelha volte para onde iniciou seu rebolado.

O comprimento do percurso em que a abelha caminha rebolando indica a distância até o local proposto; o ângulo da curva indica a direção em que as abelhas têm de voar para chegar ao local. E o número de vezes que ela repete a dança indica a avaliação que ela faz do local. Normalmente, diversas abelhas visitam cada local e fazem a propaganda dele para as colegas. Os diversos partidos políticos (cada um defendendo seu local) dançam até convencer a maioria. Quando isso ocorre, termina a eleição e todas as abelhas, mesmo a rainha, partem para o local escolhido e começam a construir a nova colmeia.

Quando estudaram a maneira como as abelhas analisam as diversas propostas e tomam a decisão (apuração dos votos e declaração da proposta vencedora), cientistas observaram que durante a dança ocorria algo estranho. Enquanto uma abelha dançava, várias outras davam cabeçadas na dançarina - e, dependendo do número de cabeçadas, parecia que ela resolvia parar de repetir a sua dança. Aí eles se perguntaram quem eram as abelhas que davam as cabeçadas.

Para identificá-las, soltaram grupos de abelhas que procuravam um local para fazer uma colmeia em uma ilha deserta, sem locais adequados. Nessa ilha, colocaram duas caixas de madeira adequadas para a nova colmeia. Mas essas caixas continham pequenas quantidades de tinta; assim, as operárias que visitavam as caixas ficavam com as costas marcadas de amarelo (caixa 1) ou rosa (caixa 2). Assim, os cientistas puderam filmar as danças das operárias, identificar as que estavam propondo a caixa 1 ou a 2 (rosa) e contar os votos.

Intriga da oposição. A observação mais interessante foi a identidade das abelhas que davam as cabeçadas. Se uma abelha "amarela" estava dançando, as cabeçadas inibitórias eram sempre das "rosas" e vice-versa. Eles também demonstraram que o número de cabeçadas inibia a quantidade de dança e, portanto, o poder de convencimento das abelhas.

Como as abelhas que possuem maioria têm mais possibilidades de dançar sem levar cabeçadas - e ao mesmo tempo têm a possibilidade de dar mais cabeçadas nas defensoras da proposta adversária -, esse mecanismo leva a uma convergência mais rápida para o consenso. Os cientistas fizeram modelos matemáticos que simulam esse mecanismo de inibição e eles confirmam que a presença de um mecanismo de inibição leva a uma decisão mais rápida, convertendo os perdedores em adeptos da proposta vencedora, garantindo que as abelhas fiquem alinhadas com a proposta vencedora e juntem forças para construir a colmeia no local escolhido.

Nas democracias humanas, não temos um modelo semelhante. Mesmo depois de conhecida a vontade da maioria, é normal os perdedores sabotarem a vontade da maioria. É verdade que muitas vezes ouvimos discursos nos quais o candidato derrotado decreta que "decidido o pleito, vamos trabalhar juntos pela proposta vencedora", mas na maioria das vezes isso não passa de retórica.

É interessante observar como as abelhas, mesmo com um cérebro minúsculo e comportamentos relativamente simples, implementam um processo democrático eficiente, que resulta na execução rápida e eficaz da vontade da maioria. É uma evidência de que o ego dos políticos humanos é um dos componentes que prejudicam os processos democráticos. Abelhas, afinal, que se saiba, não possuem ego ou orgulho exacerbado nem pecam pela falta de humildade.


Publicado no Estadão on line, em 12/01/2012.

Fernando Reinach é biólogo.

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