domingo, 29 de janeiro de 2012

Sustentabilidade: tentativa de definição [Leonardo Boff]

Há hoje um conflito entre as várias compreensões do que seja sustentabilidade. Clássica é a definição da ONU, do relatório Brundland, (1987), “desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem a suas necessidades e aspirações”. Esse conceito é correto, mas possui duas limitações: é antropocêntrico (só considera o ser humano) e nada diz sobre a comunidade de vida (outros seres vivos que também precisam da biosfera e de sustentabilidade).

Tentarei uma formulação, o mais integradora possível: Sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando a sua continuidade e ainda a atender as necessidades da geração presente e das futuras de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução, e coevolução.

Expliquemos, rapidamente, os termos desta visão holística: Sustentar todas as condições necessárias para o surgimento dos seres: estes só existem a partir da conjugação das energias, dos elementos físico-químicos e informacionais que, combinados entre, si dão origem a tudo.

Sustentar todos os seres: aqui se trata de superar radicalmente o antropocentrismo. Todos os seres constituem emergências do processo de evolução e gozam de valor intrínseco, independente do uso humano.

Sustentar especialmente a Terra viva: a Terra é mais que uma "coisa” (res extensa), sem inteligência ou um mero meio de produção. Ela não contém vida. Ela mesma é viva, se autorregula, se regenera e evolui. Se não garantirmos a sustentabilidade da Terra viva, chamada Gaia, tiramos a base para todas as demais formas de sustentabilidade.

Sustentar também a comunidade de vida: não existe, o meio ambiente, como algo secundário e periférico. Nós não existimos: coexistimos e somos todos interdependentes. Todos os seres vivos são portadores do mesmo alfabeto genético básico. Formam a rede de vida, incluindo os micro-organismos. Esta rede cria os biomas e a biodiversidade e é necessária para a subsistência de nossa vida neste planeta.

Sustentar a vida humana: somos um elo singular da rede da vida, o ser mais complexo de nosso sistema solar e a ponta avançada do processo evolutivo por nós conhecido, pois somos portadores de consciência, de sensibilidade e de inteligência. Sentimos que somos chamados a cuidar e guardar a Mãe Terra, garantir a continuidade da civilização e vigiar também sobre nossa capacidade destrutiva.

Sustentar a continuidade do processo evolutivo: os seres são conservados e suportados pela Energia de Fundo ou a Fonte Originária de todo o Ser. O universo possui um fim em si mesmo, pelo simples fato de existir, de continuar se expandindo e se autocriando.

Sustentar o atendimento das necessidades humanas: fazemo-lo através do uso racional e cuidadoso dos bens e serviços que o cosmos e a Terra nos oferecem sem o que sucumbiríamos.

Sustentar a nossa geração e aquelas que seguirão à nossa: a Terra é suficiente para cada geração desde que esta estabeleça uma relação de sinergia e de cooperação com ela e distribua os bens e serviços com equidade. O uso desses bens deve se reger pela solidariedade generacional. As futuras gerações têm o direito de herdarem uma Terra e uma natureza preservadas.

A sustentabilidade se mede pela capacidade de conservar o capital natural, permitir que se refaça e ainda, através do gênio humano, possa ser enriquecido para as futuras gerações. Esse conceito ampliado e integrador de sustentabilidade deve servir de critério para avaliar o quanto temos progredido ou não rumo à sustentabilidade e nos deve igualmente servir de inspiração ou de idéia-geradora para realizar a sustentabilidade nos vários campos da atividade humana. Se isso a sustentabilidade é pura retórica sem consequências.


Saiba quem é Leonardo Boff.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Somos todos mestiços [Consuelo Pondé de Sena]

O negro tem estado presente na América Portuguesa, desde os inícios da colonização brasileira, aqui tendo chegado no século XVI, com as primeiras levas de portugueses incumbidos de povoar território recém-descoberto.

Trabalhou arduamente a partir do século XVI, como mão de obra escrava, em substituição ao indígena, inadaptável às tarefas forçadas e sistemáticas, tendo representado a maior força de trabalho nos períodos: colonial e imperial até 1888.

Até o presente momento, segundo creio, dada à insuficiência de dados, parece impossível estimar o número de escravos negros que, no decorrer de 3 séculos, aportaram nos pontos de desembarque do Brasil. As estimativas calculam que os números vão de 3 a 18 milhões de pessoas.

Em função do tamanho do Brasil e do caráter cíclico da economia brasileira, esses milhões de escravos distribuíram-se por vários pontos do país. Noção básica e conhecida de todos é a que a maior concentração deles observou-se na área nordestina, sendo menos significativa no sudeste do país, nos territórios em que atualmente se situam os estados de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Ao longo dos anos de intensa convivência entre as populações formadoras da nossa gente, observou-se o continuado processo de miscigenação, formando-se expressivo segmento mestiço, que sobrepujou quantitativamente o negro e o branco, como pode ser observado nos vários recenseamentos oficiais. Os resultados do censo de 1950 há mais de meio século, portanto, indicavam, num total de 51.994. 357 indivíduos da população do país, a existência de 32.027.661 brancos ( 61%), 13.786.742 pardos ( 26% ) e 5.692.657negros ( 11%). Já àquela altura a soma a soma dos mestiços atingia o percentual de 37% de uma população não branca na população brasileira. Trinta anos depois, em 1980, a população brasileira atinge 119milhões, sendo 65 milhões de brancos; 45 milhões de pardos e 7 milhões de negros. Assim, o segmento não branco alcança cerca de 52 milhões de indivíduos, ou seja, um percentual de aproximadamente 43% da população nacional. Observa-se, portanto, à vista desses dados o aumento dos pardos e o decréscimo de brancos e negros. Esses dados, contudo, apontam para o crescente aumento dos pardos que tanto pode ser mestiço de branco com negro (mulato), branco com índio (mameluco), negro com índio (cafuzo) ou mesmo o próprio indígena integrado à civilização brasileira. Assim, os estudiosos da tradição bantu disputam seu lugar com o montante da população não branca do país, conforme escreve o sociólogo da USP, Prof. João Baptista Borges Pereira. Por outro lado, consoante o mesmo estudioso: “No discurso de ideólogos e militantes políticos negros, essa onipresença cultural é ressaltada com muita ênfase”.

Dado que merece esclarecimento diz respeito à procedência dos escravos, oriundos de diversas partes do continente africano, portadores de diferentes culturas, que não devem ser considerados num “lote único”, como supõem pessoas desavisadas. Em estudo da década de 1940, Artur Ramos distingue: culturas sudanesas, culturas bantus e as culturas guineano-sudanesas ou negro-maometanos. Os cruzamentos entre esses grupos diversos dos negros e deste com o branco se observaram, igualmente, no plano cultural. Esse emaranhado cultural não comporta a idéia do resultado de uma matriz exclusiva, compondo o que hoje se denomina cultura afro-brasileira. O afastamento de cada um desses grupos da sua matriz original africana, queiram ou não, atualmente integra a cultura nacional, que é formada desse intenso caldeamento étnico, sendo plurirracial a população do nosso país. Todavia, alguns ideólogos negros procuram manter suas tradições próprias como reafirmação do seu grupo, que se inclinam para a tradição sudanesa, ou seja, a tradição sincrética gege-nagô. Como não sou do ramo, apenas, faço essa referência, haurida das constantes leituras sobre o assunto.

Quero crer, e esse é um direito que defendo, que a cultura brasileira revela grande receptividade no que se refere à ssimilação das irrefutáveis contribuições africanas, tanto assim que adotam , por inteiro ou em parte, os elementos culturais dessas diversos mananciais formadores da nossa gente. Parece que os últimos censos os de 1980 e 2010, não anotaram o quesito cor, em nome ou não de teses de “democracia racial”, “tirando a ideólogos e ativistas negros um recurso que se constitui na exploração ideológica do significado desempenha outra função, que consiste em fornecer elementos concretos para que teses a respeito da supremacia do negro sejam reforçadas”. O trabalho do Prof. Borges Pereira foi publicado em 1983, na Revista de Antropologia e reflete o que se passava naquela quadra da vida brasileira.

Todavia, vale como uma reflexão séria e responsável, além de alertar, como ele o fizera desde aquela data, para a folclorização da cultura negra, cada vez mais presente em nosso meio, a transformar suas manifestações culturais em “algo irrelevante ou em recheios ideais para se montarem esquemas de entretenimento para vastas camadas da população, em especial para aquelas que, independentemente da cor, podem usufruir de forma mais plena, certo tipo de lazer produzido pela sociedade brasileira. Como tal, esta cultura não é levada a sério; é, ao mesmo tempo, uma cultura da puerilidade e do pitoresco”.

Por fim, a política a ser adotada e cumprida nos domínios da cultura deve dar importância a todas as manifestações culturais que se tenham radicado no Brasil, após a chegada dos adventícios, com destaque para as culturas negras nas regiões em que tiveram maior presença, do mesmo modo que se deve exaltar a contribuição indígena onde ainda têm predomínio, e o marcante subsídio estrangeiro no Sul do Brasil.

O assunto é instigante e exige muita habilidade e perspicácia dos que se ocupam do assunto, tal o visceral significado para o povo brasileiro, inquestionavelmente, uma terra de mestiços.


domingo, 22 de janeiro de 2012

Profissão Filósofo – todo apoio! [Paulo Ghiraldelli Jr]

Ainda não entendi a razão de alguns estudantes de filosofia (e certos professores!) estarem tão preocupados (no sentido que estão) diante de projetos que tramitam na Câmara dos Deputados no sentido de regulamentar a profissão de filósofo. São contra! Mas, são contra o que, especificamente? Acho que eles não sabem. Aliás, em geral, quando fornecem seus argumentos, aí sim eu fico preocupado com o tipo de gente que procura a filosofia.

Querem que a filosofia não seja profissão. Ora, em parte, ela já é, pois os filósofos acabam fazendo licenciatura – são professores. E se fizerem o bacharelado, também serão professores (embora alguns estudantes achem que não). Mas então ficamos com uma coisa esquisita: historiadores são historiadores e professores de história, e assim vale para vários outros intelectuais, mas para o filósofo isso não vale?

Fazer o filósofo em nossa sociedade não ser um profissional e, então, ser um marginal, para poder idolatrá-lo como sábio ou como louco ou como santo ou como bom moço ou como Zen, é estranho – muito estranho! É querer viver fora do tempo. Sim, sim, eu sei que a filosofia é inimiga da história e seu desejo, ao menos originalmente, é escapar do tempo, da morte e tudo que é humano. Mas, isso é a filosofia em sua origem, não precisa ser a postura do filósofo atual – aliás, a filosofia contemporânea, quase toda ela, tem tentado fazer as pazes com a história. E o filósofo, todos, estão já como profissionais nas universidades! O projeto vai possibilitar que o filósofo participe de outras instâncias de trabalho de modo a não ficar só com deveres, mas também com direitos – direitos trabalhistas! Claro!

Acho que o estudante que é contra isso foi mordido pela mosca azul da filosofia. Essa mosca morde alguns professores universitários que se acham filósofos – e que de fato são – mas que querem impedir que outros o sejam! Acham que essa atividade é tão importante que não pode ser tocada por ninguém, nem pelo Estado e nem pelo próprio candidato a filósofo. É como se filósofo não fosse mais o amante do saber e, sim, o sábio! Um sábio acima dos sábios.

Realmente, se a filosofia não for profissão, será necessário contratar os filósofos para trabalhar sob a uma rubrica falsa (pois o mercado quer filósofos!), o que, na nossa sociedade moderna, significa simplesmente não contratar. Uma editora ou uma rádio ou uma TV ou um hospital (uma empresa), por exemplo, podem contratar historiadores como historiadores ou sociólogos como sociólogos, mas o filósofo não então aí! Ora, será que os filósofos querem a “reserva de mercado” às avessas, ou seja, o direito de não se engajar em nada? É o direito de não se engajar em nada para poder se engajar como mendigo em tudo? Será que todo filósofo universitário é sempre tonto? Ou seja: como boa parte dos filósofos surgem da Igreja ou do marxismo (ou coisa parecida), eles logo condenam a “sociedade de mercado”. Então, querem ficar de fora dela. Mas querem isso não individualmente, querem que todos os colegas fiquem fora! Ora, ficam fora e, depois, acabam se empregando numa universidade e acham que podem continuar blasé! Isso é chato.
Querer ser blasé na nossa sociedade? Ora, podem ser, mas não com um diploma de filosofia na mão, dado por uma universidade – este que tem um diploma na mão entrou e saiu de uma universidade burguesa, uma universidade que se organiza a partir do “mundo do trabalho”, não do mundo do ócio.

Eu sempre digo que filosofia não é profissão, mas isso em termos de sua origem, no entanto, na nossa sociedade moderna ela é sim profissão. Um filósofo filosofa. E essa sua capacidade de contar histórias que não são histórias contadas por outros intelectuais, já foi absorvida pelo mercado. Querer negar isso é fazer a filosofia continuar no mercado, mas sem os direitos do mercado, só com os deveres. E é isso que ocorre.

Os professores universitários que fizeram o curso de filosofia precisam sim apoiar a medida de fazer o filósofo ser um profissional de mercado numa sociedade de mercado, mesmo que eles, individualmente (por fé ou ideologia ou burrice), sejam contra a sociedade de mercado. Pastores, padres, artistas etc. já estão nessa faz tempo! Nenhum crítico de sorveteria precisa não conversar mais com a esposa porque ela toma sorvete! Nem é lícito proibir todas as esposas de tomar sorvete, para que elas não criem desejo na sua esposa, que você não quer que tome sorvete.

Eu realmente estou cansado de lidar com estudante de filosofia e com professor de filosofia quando estes querem se fazer de diferentes para além do que a palavra “diferente” implica. Esse pessoal que adora ser diferente em um sentido tolo da palavra “diferente” cansa qualquer um! Ora, o que estão os filósofos fazendo de diferente no Brasil? O que estou vendo por aí é a mesma ANPOF de sempre pedir para seus garotos irem até lá com um livrinho publicado pela sua própria universidade, um livrinho que não tem leitores, que serve apenas para “fazer currículo”. Chegam lá para ler um “paper” como se aquilo fosse uma novidade ou algo original. Meu Deus! Está na hora de filósofo virar gente e parar de achar que sendo um pária, é especial. Pária é pária, não é especial. Para posar de diferente é necessário fazer algo diferente mesmo, ou então se transformar em um trabalhador comum. Um trabalhador comum: filósofo, profissão filósofo. É honroso isso! É honroso ser um trabalhador comum.

Nós filósofos temos de entender que o Seminário não vai mais acolher todos e mantendo a garotada (sim, os eternos garotos) sob cuidados como na casa da mamãe, em realidade ou sonho. Nós filósofos devemos de entender que o Partido também não vai fazer o que fazia, acolher a garotada como o Seminário. Ser filósofo para se manter na Igreja ou em uma igreja ou algo parecido, ou no partido de esquerda ou algo parecido, é alguma coisa do passado – acabou! Acabou no mundo todo! Está na hora do filósofo acordar e dizer para si mesmo: eu sou um cara normal e vou parar de frescura. Vou trabalhar. Vou trabalhar sim como filósofo.

É claro que não defendo nada que tramita na Câmara que dê prerrogativas para instâncias que não a universidade. Não sou favorável que qualquer outra instância possa dar diploma ou certificado de “filósofo” que não a universidade. E nisso, o projeto que vi andando na Câmara tem defeitos. Mas, a idéia de tornar o filósofo um profissional como outro qualquer é boa, necessária e promissora. Vai trazer mais responsabilidade e visibilidade para o filósofo. Vai colocá-lo em condição igual a de sociólogos e outros profissionais do mesmo tipo. Pronto. Isso vai gerar cobranças específicas, o que será muito bom para filósofos e para não filósofos. Cobranças objetivas quanto a serviços são sempre boas para a performance de qualquer atividade.



Paulo Ghiraldelli Jr é filósofo, escritor e professor da UFRJ.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Como as abelhas exercem a democracia. [Fernando Reinach]

Apesar de terem uma rainha, as abelhas tomam decisões usando um processo democrático, que envolve a formação de opiniões individuais e a construção de um consenso coletivo. Agora foi descoberto um novo mecanismo que atua nesse processo. Um sofisticado processo de inibição é capaz de transformar os proponentes da proposta perdedora em defensores da proposta vencedora. Esse mecanismo permite à colmeia atuar unida após o término da eleição.

O processo de formação de uma nova colmeia é bem conhecido. Uma jovem rainha e um grupo de operárias saem da colmeia original e se agrupam em um local próximo. Sua primeira tarefa é decidir onde vão construir a nova colmeia. É uma decisão importante, uma vez que a escolha de um local ruim pode levar a colmeia incipiente à extinção.

Na primeira etapa, o grupo envia as operárias mais experientes para sondar as redondezas. Cada uma delas escolhe o local que acha melhor e defende a sua escolha. Isso ocorre por meio de uma espécie de dança. Essa dança tem duas partes: a primeira consiste em caminhar rebolando em linha reta; a segunda, numa curva sem rebolado, que faz com que a abelha volte para onde iniciou seu rebolado.

O comprimento do percurso em que a abelha caminha rebolando indica a distância até o local proposto; o ângulo da curva indica a direção em que as abelhas têm de voar para chegar ao local. E o número de vezes que ela repete a dança indica a avaliação que ela faz do local. Normalmente, diversas abelhas visitam cada local e fazem a propaganda dele para as colegas. Os diversos partidos políticos (cada um defendendo seu local) dançam até convencer a maioria. Quando isso ocorre, termina a eleição e todas as abelhas, mesmo a rainha, partem para o local escolhido e começam a construir a nova colmeia.

Quando estudaram a maneira como as abelhas analisam as diversas propostas e tomam a decisão (apuração dos votos e declaração da proposta vencedora), cientistas observaram que durante a dança ocorria algo estranho. Enquanto uma abelha dançava, várias outras davam cabeçadas na dançarina - e, dependendo do número de cabeçadas, parecia que ela resolvia parar de repetir a sua dança. Aí eles se perguntaram quem eram as abelhas que davam as cabeçadas.

Para identificá-las, soltaram grupos de abelhas que procuravam um local para fazer uma colmeia em uma ilha deserta, sem locais adequados. Nessa ilha, colocaram duas caixas de madeira adequadas para a nova colmeia. Mas essas caixas continham pequenas quantidades de tinta; assim, as operárias que visitavam as caixas ficavam com as costas marcadas de amarelo (caixa 1) ou rosa (caixa 2). Assim, os cientistas puderam filmar as danças das operárias, identificar as que estavam propondo a caixa 1 ou a 2 (rosa) e contar os votos.

Intriga da oposição. A observação mais interessante foi a identidade das abelhas que davam as cabeçadas. Se uma abelha "amarela" estava dançando, as cabeçadas inibitórias eram sempre das "rosas" e vice-versa. Eles também demonstraram que o número de cabeçadas inibia a quantidade de dança e, portanto, o poder de convencimento das abelhas.

Como as abelhas que possuem maioria têm mais possibilidades de dançar sem levar cabeçadas - e ao mesmo tempo têm a possibilidade de dar mais cabeçadas nas defensoras da proposta adversária -, esse mecanismo leva a uma convergência mais rápida para o consenso. Os cientistas fizeram modelos matemáticos que simulam esse mecanismo de inibição e eles confirmam que a presença de um mecanismo de inibição leva a uma decisão mais rápida, convertendo os perdedores em adeptos da proposta vencedora, garantindo que as abelhas fiquem alinhadas com a proposta vencedora e juntem forças para construir a colmeia no local escolhido.

Nas democracias humanas, não temos um modelo semelhante. Mesmo depois de conhecida a vontade da maioria, é normal os perdedores sabotarem a vontade da maioria. É verdade que muitas vezes ouvimos discursos nos quais o candidato derrotado decreta que "decidido o pleito, vamos trabalhar juntos pela proposta vencedora", mas na maioria das vezes isso não passa de retórica.

É interessante observar como as abelhas, mesmo com um cérebro minúsculo e comportamentos relativamente simples, implementam um processo democrático eficiente, que resulta na execução rápida e eficaz da vontade da maioria. É uma evidência de que o ego dos políticos humanos é um dos componentes que prejudicam os processos democráticos. Abelhas, afinal, que se saiba, não possuem ego ou orgulho exacerbado nem pecam pela falta de humildade.


Publicado no Estadão on line, em 12/01/2012.

Fernando Reinach é biólogo.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Contra o estrago do liberalismo, recuperar o Marx filósofo.


Entrevista com Dany-Robert Dufour.*

O liberalismo, que se apresentou como salvador da humanidade, terminou levando a o ser um humano a um caminho sem saída. Você considera o fim desse modelo e se pergunta sobre qual tipo de ser humano surgirá depois do ultra-liberalismo?

Dany-Robert Dufour: No século passado conhecemos dois grandes caminhos sem saída históricos: o nazismo e o stalinismo. De alguma maneira e entre aspas, depois da Segunda Guerra Mundial fomos liberados desses dois caminhos sem saída pelo liberalismo. Mas essa liberação terminou sendo uma nova alienação. Em suas formas atuais, ou seja, ultra e neoliberal, o liberalismo se plasma como um novo totalitarismo porque pretende gerir o conjunto das relações sociais. Nada deve escapar à ditadura dos mercados e isso converte o liberalismo em um novo totalitarismo que segue os dois anteriores. É então um novo caminho sem saída histórico. O liberalismo explorou o ser humano.

O historiador húngaro Karl Polanyi, em um livro publicado depois da Segunda Guerra Mundial, demonstrou como, antes, a economia estava incluída em uma série de relações sociais, políticas, culturais, etc. Mas, com a irrupção do liberalismo, a economia saiu desse círculo de relações para converter-se no ente que procurou dominar todos os demais. Dessa forma, todas as economias humanas caem sob a lei liberal, ou seja, a lei do proveito onde tudo deve ser rentável, incluindo as atividades que antes não estavam sob o mandato do rentável.

Por exemplo, neste momento eu e você estamos conversando, mas não buscamos rentabilidade e sim a produção de sentido. Neste momento estamos em uma economia discursiva. Mas hoje, até a economia discursiva está sujeita ao “quem ganha mais”. Cada uma das economias humanas está sob a mesma lógica: a economia psíquica, a economia simbólica, a economia política, daí o derretimento da política. O político só existe hoje para seguir o econômico. A crise que atravessa a Europa mostra que, quanto mais ela se aprofunda, mais a política deixa a gestão nas mãos da economia. A política abdicou ante a economia e esta tomou o poder. Os circuitos econômicos e financeiros se apoderaram da política, A crise é, por conseguinte, geral.

O título de seu livro, “O homem que vem depois do liberalismo”, implica a dupla ideia de uma fase triunfal e de um fim do liberalismo...

DRD: Paradoxalmente, no momento de seu triunfo absoluto o liberalismo dá sinais de cansaço. Nos damos conta de que nada funciona e as pessoas vão tomando consciência desta falha e têm uma reação de incredulidade. Os mercados se propuseram a ser uma espécie de remédio para todos os males. Você tem um problema? Pois então recorra ao Mercado e este aportará a riqueza absoluta e a solução dos problemas. Mas agora nos damos contra de que o mercado acarreta devastações.

Assim, vemos como esse remédio que devia nos fornecer a riqueza infinita não traz senão miséria, pobreza, devastação. O capitalismo produz riqueza global, sim, mas ela é pessimamente repartida. Sabemos que há 20, 30 anos, as desigualdades têm aumentado pelo planeta. A riqueza global do capitalismo despoja de seus direitos a milhões de indivíduos: os direitos sociais, o direito à educação, à saúde, em suma, todos esses direitos conquistados com as lutas sociais estão sendo tragados pelo liberalismo. O liberalismo foi como uma religião cheia de promessas. Nos prometeu a riqueza infinita graças a seu operador, o Divino Mercado. Mas não cumpriu a promessa.

Em sua crítica filosófica ao liberalismo, você destaca um dos principais estragos produzidos pelo pensamento liberal: os indivíduos estão submetidos aos objetos, nãos aos seus semelhantes; ao outro. A relação em si, a sensualidade, foi substituída pelo objeto.

DRD: As relações entre os indivíduos passam ao segundo plano. O primeiro é ocupado pela relação com o objeto. Essa é a lógica do mercado: o mercado pode a cada momento agitar diante de nós o objeto capaz de satisfazer todos nossos apetites. Pode ser um objeto manufaturado, um serviço e até um fantasma construído pelas indústrias culturais. Estamos em um sistema de relações que privilegia o objeto antes do sujeito. Isso cria uma nova alienação, uma espécie de vício com os objetos. Esse novo totalitarismo que é o liberalismo coloca nas mãos dos indivíduos os elementos para que se oprimam a si mesmos através dos objetos. O liberalismo nos deixa a liberdade de alienarmos a nós mesmos.

Você situa o princípio da crise nos anos 80 através da restauração do que você chama de o relato de Adam Smith. Você cita uma de suas frases mais espantosas: para escravizar um homem é preciso dirigir-se ao seu egoísmo e não a sua humanidade.

DRD: Adam Smith remonta ao século XVIII e sua moral egoísta se expandiu um século e meio depois com a globalização do mercado no mundo. De fato, Smith demorou tanto porque houve outra mensagem paralela, outro Século das Luzes, que foi o do transcendentalismo alemão.

Ao contrário das Luzes de Smith, as alemãs propunham a regulação moral, a regulação transcendental. Essa regulação podia se manifestar na vida prática através da construção de formas como as do Estado a fim de regular os interesses privados. A partir do Século das Luzes, há duas forças que se manifestam: Adam Smith e Kant. Esses dois campos filosóficos coexistiram de maneira conflitiva ao longo da modernidade, ou seja, através de dois séculos. Mas, em um determinado momento, o transcendentalismo alemão perdeu força e deu lugar ao liberalismo inglês, o qual adquiriu uma forma ultra-liberal. Pode-se datar esse fenômeno a partir do início dos anos 80. Há inclusive uma marca histórica que remonta ao momento em que Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha, chegam ao poder a instalam a liberdade econômica sem regulação. Essa ausência de regulação destruiu imediatamente as convenções sociais, ou seja, os pactos entre indivíduos.

Daí provém a trilogia “produzir, consumir, enriquecer”. Você chama essa trilogia de pleonexía.

DRD: O termo “pleonexía” é encontrado na República de Platão e quer dizer “sempre ter mais. A República grega, a Polis, foi construída sobre a proibição da pleonexía. Pode-se dizer então que, até o século XVIII, toda uma parte do Ocidente funcionou com base nessa proibição e se liberou dela nos anos 80. A partir daí se liberou a avidez mundial, a avidez dos mercados e dos banqueiros. Lembre o discurso pronunciado por Alan Greenspan (ex-presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos) ante à Comissão norteamericana depois da crise de 2008. Greenspan disse: “pensava que a avidez dos banqueiros era a melhor regulação possível. Agora, me dou conta de que isso não funciona mais e não sei por quê”. Greenspan confessou assim que o que dirige as coisas é a liberação da pleonexía. E já sabemos para onde isso conduz.

Chegamos agora ao depois, ao hipotético ser humano de depois do liberalismo. Você o enxerga sob os traços de um indivíduo simpático. Que sentido tem o termo simpático neste contexto?

DRD: Ninguém é bom ao nascer como pensava Rousseau, nem tampouco mau como pensava Hobbes. O que podemos fazer é ajudar as pessoas a serem simpáticas, ou seja, a não pensarem somente em si mesmas e a pensarem que, para viver com o próximo, é preciso contar com ele. O outro está em mim, as imagens dos outros estão em mim e me constituem como sujeito. A própria ideia de um indivíduo egoísta é sem sentido porque isso obriga a que nos esquecer de que o indivíduo está constituído por partes do outro. E quando falo de um indivíduo simpático não emprego o termo em sua acepção mais comum, alguém simplesmente simpático, digamos. Não, trata-se do sentido que a palavra tinha no século XVIII, onde a simpatia era a presença do outro em mim. Necessito então da presença do outro em mim e o outro precisa de minha presença nele para que possamos constituir um espaço onde cada um seja um indivíduo aberto ao outro. Eu cuido do outro como o outro cuida de mim. Isso é um indivíduo simpático.

Sigamos com a simpatia, mas sobre que bases se constrói o indivíduo que vem depois do liberalismo? A razão, a religião, o esporte, o ócio, a solidariedade, outra ideia de mercado?

DRD: Neste livro fiz um inventário sobre os relatos antigos: o relato do logos, da evasão da alma dos gregos, o relato sobre a consideração do outro nos monoteísmos. Dei-me conta de que em ambos relatos havia coisas interessantes e também aterradoras. Por exemplo, a opressão das mulheres no patriarcado monoteísta equivale à opressão da metade da humanidade. Por acaso queremos repetir essa experiência? Certamente que não.

Outro exemplo: no logos, para que haja uma classe de homens livres na sociedade é preciso que haja uma classe oprimida e escravizada. Queremos repetir isso? Não. Refundar nossa civilização após os três caminhos sem saída que foram o nazismo, o estalinismo e o liberalismo requer uma refundação sobre bases sólidas. Por isso realizei o inventário, para ver o que podíamos recuperar e o que não, quando do passado podia nos servir e quanto não. A segunda consideração diz respeito aquilo que poderia ajudar o indivíduo a ser simpático, ao invés de egoísta. Neste contexto, a ideia da reconstrução do político, de uma nova forma do Estado que não esteja dedicado a conservar os interesses econômicos, mas sim a preservar os interesses coletivos, é central.

Qual é, então, o grande relato que poderia nos salvar?

DRD: Deixamos no caminho os grandes relatos de antes e acreditamos cada vez menos no grande relato do mercado. Estamos a espera de algo que una o indivíduo, ou seja, um grande relato. Eu proponho o relato de um indivíduo que deixou de ser egoísta, que não seja tampouco o indivíduo coletivo do estalinismo, nem tampouco o indivíduo mergulhado na ideia de uma raça que se crê superior, como no nazismo e no fascismo. Trata-se de um relato alternativo a tudo isso, um relato que persiste no fundo da civilização.

Creio que o valor da civilização ocidental radica no fato de ter coloca o acento na individuação, ou seja, na ideia da criação de um indivíduo capaz de pensar e agir por si mesmo. Não é para esquecer a noção de indivíduo, mas sim reconstruí-la. Contrariamente ao que se diz, não creio que nossas sociedades sejam individualistas, não, nossas sociedades são lamentavelmente egoístas. Isso me faz pensar que há muita margem de existência ao indivíduo como tal, que há muitas coisas dele que não conhecemos.

Temos que fazer o indivíduo existir fora dos valores do mercado. O indivíduo do estalinismo foi dissolvido na massa do coletivismo; o indivíduo do nazismo e do fascismo foi dissolvido na raça, o indivíduo do liberalismo foi dissolvido no egoísmo. O indivíduo liberal é um escravo de suas paixões e de suas pulsões. Devemos nos elevar desse caminho sem saída liberal parar recriar um indivíduo aberto ao outro, capaz de realizar-se totalmente.

Há textos filosóficos de Karl Marx que não são muito conhecidos e nos quais Marx queria a realização total do indivíduo fora dos circuitos mercantis: no amor, na relação com os outros, na amizade, na arte. Poder criar o máximo a partir das disposições de cada um. Talvez seja o caso de recuperar esse relato do Marx filósofo e esquecer o do Marx marxista.


Publicado em Carta Maior, em 05/01/2012.


* Dany-Robert Dufour é filósofo, professor na Universidade de Paris-VIII. Diretor de programa no Collège international de philosophie (Colégio Internacional de Filosofia), Paris.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Célestin Monga, um niilista na África. *

“Niilismo e negritude” aborda saberes tradicionais africanos com um olhar cosmopolita. Como se dá na África o equilíbrio entre a preservação das tradições locais e a necessidade de integração econômica e cultural com o resto do mundo?

CÉLESTIN MONGA:
A África já está bem integrada econômica e culturalmente com o mundo, mas segundo termos que lhe são desfavoráveis. Um exemplo simples: “Waka waka”, a última canção de sucesso da colombiana Shakira, nada mais é que uma reprise de uma música do grupo camaronês Zangalewa. Shakira e seus produtores na Sony Music ganharam milhões, enquanto os pobres artistas camaroneses que a compuseram apenas ouvem falar dela. Acabo de voltar de uma viagem à China, onde vi indústrias que exploram motivos e padrões desenhados pelas mulheres do Mali para produzir lindos tecidos, que são vendidos ao redor do mundo sem que as africanas lucrem com isso… A questão fundamental é desenvolver uma estratégia de gestão de seus saberes num mundo “globalizado”. Trata-se de se organizar para continuar a par com o mundo, participar ativamente das trocas intelectuais, culturais e econômicas, renovar constantemente sua criatividade preservando seus interesses. É o que o poeta e ex-presidente senegalês Léopold Sédar Senghor (1906-2001) chamava de “o encontro do doar com o receber”, uma expressão muito bonita. Ninguém pode fazer isso sozinho. Os Estados precisam organizar seus quadros institucionais e regulamentares para esse tipo de coordenação.

Como funcionário do Banco Mundial, acredita na necessidade de auxílio internacional à África? Que tipo de auxílio?

MONGA:
Nenhum país em desenvolvimento saiu da pobreza por causa do auxílio ou da caridade internacional. O desenvolvimento é o resultado de um processo endógeno pelo qual os agentes econômicos de um país se organizam para mobilizar os fatores de produção, como a força de trabalho, o capital e os recursos naturais, para criar riqueza e aumentar constantemente a produtividade. O auxílio ao desenvolvimento não pode substituir esse processo interno. Ele pode contribuir, de forma marginal, para a construção de infraestruturas ou o financiamento da educação e dos programas sanitários. Mas ele não pode ser a receita mágica do desenvolvimento. O problema de muitos países africanos é acreditar que o Banco Mundial pode resolver seus problemas por eles. Isso os coloca numa posição de auxiliados permanentes. Acostumar-se ao auxílio é nefasto como todo vício, pois infantiliza e desresponsabiliza.

“Niilismo e negritude” tem passagens críticas sobre a influência da Igreja Católica como “instituição social” em Camarões. Quais são os pontos mais negativos dessa influência?

MONGA:
O histórico das igrejas da África é manchado pelos equívocos coloniais e assombrado por sua relação incestuosa com regimes políticos opressivos. Muitos homens e mulheres de igreja fazem um trabalho honorável em prol das populações, desempenhando um papel de assistentes sociais, de mentores, de confidentes e até de psiquiatras. Mas a instituição religiosa na África funciona como as burocracias dos antigos partidos únicos. Muitos de seus membros exploram abusivamente sua posição de “reserva moral” para satisfazer suas fantasias de poder. Outros são paranoicos e veem o mal por todo lado. Prisioneiros de sua amargura e nauseados pela permanência em querelas étnicas microscópicas, eles vivem mal sua vocação e se perguntam por que não são promovidos a “funções importantes”. Recitam as Escrituras e carregam a cruz de Jesus sobre o coração, mas são habitados por uma dose de cólera e maldade que espantaria os personagens menos recomendáveis da Bíblia.

Como sua noção de “niilismo” pode ajudar a pensar a África contemporânea? Que pensadores mais influenciaram seu trabalho?

MONGA:
Quis mostrar outras Áfricas, aquelas que invalidam os clichês. Quis compreender a extravagância da bondade em lugares onde se supõe não haver nada além de sofrimento. A esperança é a verdadeira matéria prima e verdadeira riqueza da África, mas se trata de uma esperança niilista, confinada, sensata. O niilismo não é apenas uma “mortal fadiga de viver, uma morna percepção da inutilidade de todo esforço”, como dizia Paul Bourget. Na África, é sobretudo uma celebração do absurdo. Entre meus autores preferidos estão Emil Cioran, Fernando Pessoa, Schopenhauer e Nietzsche. Mas entre minhas influências filosóficas conto também minha avó Mami Madé, uma senhora de quase 90 anos que vive num vilarejo nas montanhas do oeste de Camarões e ainda trabalha dez horas por dia. Também admiro o filósofo camaronês Fabien Eboussi Boulaga, o historiador senegalês Cheikh Anta Diop, o sociólogo camaronês Jean-Marc Ela; os escritores Sony Labou Tansi (Congo), Chekih Hamidou Kane (Senegal), Mongo Beti e Paul Dakeyo (Camarões), entre outros.

Que papel tiveram na sua formação os intelectuais do movimento Negritude (corrente de pensamento que defendia a valorização da cultura negra em países africanos colonizados)?

MONGA:
Um papel essencial, mas minha “negritude” não tem nada a ver com a deles. Quando encontrei Aimé Césaire na Martinica, em 1988, disse a ele que era o homem da minha vida, e ele sorriu. A leitura de seu livro de poemas “Caderno de um retorno ao país natal”, aos 15 anos, me ensinou sobre a importância do amor-próprio. Eu o admiro muito. Por outro lado, embora eu considere Léopold Sédar Senghor um grande poeta, era a meu ver um intelectual mediano e um político medíocre. Seus 15 primeiros anos de poder no Senegal foram autoritários, ele nunca conseguiu libertar seu imaginário dos estigmas da colonização francesa. Nasci logo depois da independência de Camarões e cresci sob o autoritarismo do partido único que homens como Senghor haviam teorizado. Por isso me sinto distante dele.

No livro “Um banto em Washington”, que será publicado no Brasil em breve, você narra os episódios que levaram à sua prisão em 1991. Esse tipo de coerção política ainda existe no governo de Paul Biya?

MONGA:
Infelizmente, sim. Ainda que as técnicas de autoritarismo estejam um pouco mais sofisticadas, sobretudo contra personalidades de maior destaque, os reflexos são os mesmos. Jornalistas pouco conhecidos, mas que incomodam muito, são intimidados — alguns desaparecem misteriosamente, outros são presos e torturados até a morte nas prisões. O mesmo regime continua no poder. Em agosto, fui a Camarões para a cerimônia fúnebre de Pius Njawe, o jornalista com quem fui julgado em 1991. Ele faleceu num acidente automobilístico durante uma conferência em Washington e sua família me convidou a ler um texto em sua homenagem. Havia cerca de 20 mil pessoas no funeral. No momento em que me levantei para ler, vi correr em minha direção um indivíduo agitado, acompanhado de um soldado. Era o governador local que, agindo em nome de seu presidente, vinha arrancar o microfone de mim. A multidão ficou furiosa e queria linchá-lo. Mas não deixamos que essa cerimônia de luto se transformasse num caos sangrento. Foi lamentável.

Como você vê o regime de Paul Biya hoje?

MONGA:
Dizer que o regime é formado por pessoas sem visão nem estratégia seria banal. O mais grave é que a miséria material se transformou em miséria afetiva e psicológica, a tal ponto que cada funcionário regional, sobretudo se afunda sob o peso de um título oficial vazio, se julga constantemente obrigado a se humilhar para merecer a consideração do “Grande Mestre”. Suas atitudes se explicam se pensamos em nossa história política violenta e no caráter da sociedade que construímos. A desconfiança e a suspeita dominam as relações sociais. Todos têm medo da própria sombra e das palavras do outro, consideradas a priori perigosas. Escutar o outro, abrir-se ao outro, é considerado desonroso. Nesse marasmo psicológico geral, os homens no poder são, paradoxalmente, os mais vulneráveis. Eles são os que mais têm a perder e por isso preferem encobrir sua fraqueza com uma agressividade primitiva.

Existem forças de oposição ativas no país?

MONGA:
Existe por todo lado no país um imenso estoque de vontade, energia e criatividade. Mas as instituições públicas e privadas não chegam a canalizar essas forças para o bem estar coletivo. Os camaroneses também têm dificuldade de trabalhar coletivamente. Resultado: nossa capacidade de ação é limitada, apesar da profusão de talentos. A verdadeira transformação que devemos buscar é em nós mesmos, em nossa forma de agir e no grau de exigência que estamos dispostos a adotar em nosso cotidiano. Os líderes de oposição precisam sair de seus egos para realizar um trabalho político verdadeiro que permita eleições justas e livres. Só a ação política de base, fundada em ideias novas e críveis e em soluções concretas para os problemas econômicos e sociais do país, pode produzir alternância de poder. Também seria ótimo se a comunidade internacional parasse de menosprezar as demandas de liberdade que vêm de todo canto na África. Quando os cidadãos saem às ruas da Ucrânia, da Geórgia ou do Irã exigindo liberdade, os dirigentes ocidentais escutam. Mas se a mesma coisa acontece em Camarões, Quênia ou Senegal, ninguém em Washington ou Bruxelas presta atenção.


Publicado em O Globo, em 20/11/2010.


Célestin Monga, natural de Camarões, é economista-chefe e assessor do vice-presidente do Banco Mundial em Washington, D.C. Durante sua carreira de 13 anos no Banco, ele ocupou posições no departamento de pesquisa, incluindo o cargo de economista principal na Europa e na Ásia Central e de gerente da equipe de revisão de políticas.


* Indicação de Darlan dos Santos Gomes.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Oração da Xoxota [Isa Lorena]

Porque é da xoxota que nasce o homem. E se não nasce necessariamente dela, é nela que se faz.

É da xoxota que se esvai a poética mais humanista. É ela que melhor traduz a anatomia do feminino, côncava, boca que infelizmente tantas vezes come o que não lhe satisfaz.

É da xoxota que sai o líquido espesso que pontua o ciclo do nascimento e do não, transbordando em fúria sanguinária o que não lhe serviu naquele momento.

E por essas e outras razões sexuais ou metafóricas, é literal, é literária, é poética, profética, pagã.

Abençoado seja o feminino, transgressor, latente, ininterrupto, pois sem ele, não seríamos; Abençoada seja a xoxota, pois dela nascem todas as possibilidades...


sábado, 14 de janeiro de 2012

Venezuela - Guerra Civil Midiática [Parte 1]

Assim é um líder [Nelson Rodrigues]

O líder é um canalha. Dirá alguém que estou generalizando. Exato: estou generalizando. Vejam, por exemplo, Stalin. Ninguém mais líder. Lenin pode ser esquecido, Stalin, não. Um dia, os camponeses insinuaram uma resistência. Stalin não teve nem dúvida, nem pena. Matou, de forma punitiva, 12 milhões de camponeses. Nem mais, nem menos: – 12 milhões. Era uma maravilhoso canalha e, portanto, o líder.

E não foi traído. Aí está o mistério que, realmente, não é mistério. É uma verdade historicamente demonstrada: – o canalha, quando investido de liderança, faz, inventa, aglutina e dinamiza as massas de canalhas. Façam a seguinte experiência: – ponham um santo na primeira esquina. Trepado num caixote, ele fala ao povo. Mas não convencerá ninguém, e repito: – ninguém o seguirá. Invertam a experiência e coloquem na mesma esquina, e em cima do mesmo caixote, um pulha indubitável. Instantaneamente, outros pulhas, legiões de pulhas, sairão atrás do chefe abjeto.

Mas, dizia eu que Stalin não foi traído, nem Hitler. O Führer, para morrer, teve de se matar. (Nem me falem do atentado dos generais grã-finos. Há uma só verdade: – nem o soldado alemão, nem o operário, nem o jovem, nem o velho, traíram Hitler.) E, quanto a Stalin, ninguém mais amado. Só Hitler foi tão amado. Aqui mesmo, no Brasil. Bem me lembro, durante a guerra, dos nossos stalinistas. Na queda de Paris, um deles veio-me dizer, de olho rútilo e lábio trêmulo: – “Hitler é muito mais revolucionário que a Inglaterra”.

Sim, o que se sentia, aqui, por Stalin, era uma dessas admirações hediondas. Eu via homens de voz grossa, barba cerrada, ênfase viril. Em cada um dos seus gestos, a masculinidade explodia. E, quando falavam de Stalin, eles se tornavam melífluos, como qualquer “travesti” do João Caetano ou do Teatro República. O que se sentia, por trás desse arrebatamento stalinista, era um amor quase físico, uma espécie de pederastia idealizada, utópica, sagrada. Com as mandíbulas trêmulas, uma salivação efervescente, os fanáticos chamavam o Guia de “o Velho”. E essa paixão era de um sublime ignóbil.

Já o Czar foi o antilíder. Há um quadro russo da matança da Família Imperial. (A pintura de lá, tanto a czarista, como a soviética, é puro Osvaldo Teixeira.) Eis o que nos mostra a tela: empilhados, numa bacanal de defuntos, o Czar, a Czarina, as princesinhas, etc., etc. Uns por cima dos outros, e cravejados de bala. Os soldados receberam a ordem e estouraram a cara dos velhos, das mocinhas, dos meninos. Mas não vamos assumir, aqui, nenhuma postura sentimental. Eis o que importa dizer.

Na véspera de morrer, o nosso Nicolau entretinha-se na redação do seu diário. Fazia diário como qualquer heroína da Coleção das Moças. Reparem no antilíder, no anti-rei, no antitudo. No dia seguinte estariam à mostra os intestinos dele mesmo, as tripas da mulher, dos filhos, dos sobrinhos, dos netos. Mas ele não teve nenhum sentimento da morte. No jardim havia um “lago azul” como o da nossa canção naval. E, lá, dois ou três cisnes deslizavam mansamente. Um mundo já morria e outro ia nascer. E o Czar estava fascinado pelos cisnes, e a última página do diário era a eles dedicada. Um homem assim teria de ser exterminado a bala ou a pauladas, como uma ratazana.

Alguém lembrará a figura de Kennedy. Era um líder que preservava um mínimo de humanidade. Mas não era líder. Lembro-me da babá portuguesa da minha garotinha. Ao ver o retrato de Kennedy, gemeu com sotaque: – “Bonito como uma virgem”. Era um líder de luxo, isto é, um antilíder. Ao entrar na política, o pai, outro aristocrata, deu-lhe um cheque de um milhão de dólares. E mais: – Johnny casou-se com Jacqueline. E a mulher bonita é própria do falso líder. Nem Stalin, nem Hitler, fariam essa dupla concessão ao sentimento e ao sexo. Reexaminem toda a vida de Kennedy: – não foi, em momento nenhum de sua história e de sua lenda, um canalha. E não soube fazer pulhas para juntá-los em torno de sua liderança.

Pensem no pacto germano-soviético. Todos os que o aceitaram ou que ainda hoje o justificam eram e são perfeitos, irretocáveis canalhas. De um só lance, Stalin e Hitler degradaram toda uma época. Eis o que desejo ressaltar: – faltava a Kannedy essa capacidade de aviltar um povo. Ao passo que Stalin fez seu povo à imagem e semelhança da própria abjeção. Mas foi na morte que Kennedy demonstrou a ineficácia e falsidade de sua liderança.

O líder não morre antes, nem depois. O derrame escolheu a hora certa para matar Stalin. Hitler meteu uma bala na cabeça no momento justo em que precisava estourar os miolos. Waterloo aconteceu quando se esgotou a vitalidade histórica da era napoleônica. Se Lenin vivesse mais quinze dias, seria outro Trotski. E Kennedy caiu antes do tempo, morreu quando não tinha que morrer. Imaginem um cristo morto de coqueloche aos três anos. Não seria Cristo, não seria nada. Kennedy morreu ao lado da mulher bonita. E, de repente, veio a bala e arrancou-lhe o queixo, forte, crispado, vital. Restava tudo por fazer; o horizonte da reeleição abria-se diante dele. Esta morte antes do tempo mostrou que Kennedy não era Kennedy. O amor que lhe consagramos é um equívoco.

Falo, falo, e não sei bem por que estou dizendo tudo isso. Agora me lembro. Eu disse algo parecido ontem, num sarau de grã-finos. Não achem graça. Aprende-se muito no grã-finismo, e repito: certos grã-finos têm um sutil faro histórico, diria melhor, profético. Sentem, por vezes, antes dos outros, o que eu chamaria “odor da História”. E um desses estava-me dizendo, num canto, com uma convicção forte: – “Vai haver o diabo neste país”. Disse e fez um “suspense”. Instiguei-o: – “O diabo, como?” E ele, misterioso: – “Você não sente que vem por aí não sei o quê?” Esse “não sei o quê” era pouco para a minha fome. O grã-fino punha mais gelo no copo. Insinuou: – “Há muita insatisfação”. Ainda era pouco. E eu queria saber, concretamente, o que vinha por aí. Perguntei: – “Sangue?” E o outro: cara a cara comigo e um ar de quem promete hemorragia nacional inédita: – “Sangue”.

Todavia, o “suspense” continuava. “Sangue”, dissera ele. Mas, quem ia derramar o sangue, e que sangue? Ainda olhei para os lados, como a procurar, entre os convidados, um possível Drácula. Quando, porém, o grã-fino falou em “esquerda”, a minha perplexidade não teve mais tamanho. Recuei dois passos avancei outros tantos e perguntei: – “Você acredita na nossa esquerda? Nessa que está aí?”

Ele acreditava. Então perdi a paciência e falei sem parar. Quem ia mudar qualquer coisa neste País? A esquerda tem um canalha para exercer uma liderança concreta e proveitosa? Senhoras entraram no debate. Fez-se, ali, uma alegre pesquisa de pulhas. Mas os canalhas lembrados eram, ao mesmo tempo, imbecis. E o que a história pedia era um crápula com seu toque de gênio. Em suma: não ocorria aos presentes um nome válido. A última palavra foi minha. Disse eu mais ou menos o seguinte: – enquanto a esquerda que aí está não for substituída até seu último idiota, não vai acontecer nada, rigorosamente nada.


Texto publicado no jornal O Globo, em 9 de janeiro de 1968.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Teló, BBB e os conceitos sobre cultura [Sylvio Micelli]

Os assuntos mais discutidos na primeira semana de 2012, ao menos nas redes sociais (que hoje pautam muita coisa), versam sobre a capa da revista semanal Época com o cantor (?) Michel Teló e sobre o início de mais uma edição do Big Brother Brasil transmitido pela Rede Globo de Televisão. Por sinal, apenas para constar, Época e Globo pertencem à mesma organização.

O paranaense Teló foi parar na capa da publicação por ser o “cantor, compositor, multiinstrumentista” que mais tocou nas rádios em 2011. Sua música (?) “Ai Se Eu Te Pego” vendeu horrores. Ele fez centenas de shows, ganhou um bom dinheiro e a segunda revista semanal mais vendida do Brasil achou por bem colocá-lo na primeira capa do ano. Mais que isso: destinou 12 páginas, isso mesmo, 12 longas páginas, e o apresentou como a tradução de “valores da cultura popular para os brasileiros de todas as classes”. Teló está na dele. Não tem culpa nenhuma.

O Big Brother Brasil, por sua vez, completa 10 anos de transmissão e chega à sua 12ª edição. A temática é mesma de sempre, em que pese a produção do programa tentar dar uma reciclada. Trancafia pessoas dentro de uma casa. Elas deverão viver e conviver com as diferenças ao longo das semanas. O jogo vai se desenrolando. As máscaras caem e o mais forte, ou o mais popular, ou o que der mais retorno de mídia, sagra-se o campeão. Tem gente que fez carreira artística e até política no jogo.

Para o paredão

Vamos, enfim, aos fatos. Inicialmente, fico numa enorme sinuca de bico. Porque se eu elevar Teló e o BBB à condição de “cultura” irei contra tudo aquilo que suponho ser cultura e estarei a nivelar, por baixo, o que efetivamente entendo que seja cultura. Se eu chamar o músico e atração global de subcultura, os patrulheiros de plantão (e eles sempre estão presentes) vão me chamar de preconceituoso, quiçá burguês, e de desrespeitar a cultura, que eles assim entendem, diversificada e multifacetada do meu país. Então sobram duas óticas: Teló e BBB são estratégias de marketing para ganhar dinheiro. E muito dinheiro. Simples assim.

No caso do cantor, você pega um rapaz do interior do Paraná, jovem e simpático, que cai no gosto de jovens iguais a ele. Cria uma música (?) de pouquíssimos versos e de letra paupérrima, põe uma pegajosa melodia e usa de todos os métodos para que isso vire um hit. O resultado é infalível. Não é a primeira vez que acontece e também (infelizmente) não será a última. O Brasil passará por Teló, como já passou pelo Tchan, Créu, dancinha da garrafa e tantas coisas efêmeras que depois apodrecem nos sebos da vida.

O BBB é a catarse humana em versão compacta. Da mesma forma que se coloca uma dúzia ou mais pessoas dentro de uma casa, para que se suportem – mas no fundo sendo todos inimigos e buscando o prêmio ou fama (ou ambos) – também em nosso dia-a-dia lidamos com diversas pessoas que adoraríamos mandar para o paredão (e vice-versa), mas que a santa hipocrisia social nos (os) impede.

Três questões

Há, ainda, uma outra ótica. Essa muito mais perigosa e é dela que devemos (ou deveríamos) nos reguardar. Teló e BBB são braços fortes da grande mídia, em busca da hegemonia na comunicação, como nos ensina o mestre Vito Giannotti do Núcleo Piratininga de Comunicação. Quando a Época decreta que Teló traduz “valores da cultura popular para os brasileiros de todas as classes”, ela quer dar hegemonia ao Brasil. Dizer que somos todos felizes como os smurfs e que a música de Teló, que faz sucesso com a doméstica e com o empresário, acaba por aproximar todos nós. Olha que lindo! Um país sem preconceitos, onde todos somos rigorosamente iguais.

Por outro lado, o BBB, que (lembrando) pertence ao mesmo grupo de Época, mostra que, sob confinamento, vence o mais forte ou o que cai no gosto da população. Dessa mesma população hegemônica que discutirá nas próximas semanas quem deve ir para o paredão e ficará a bisbilhotar se um novo casal é feito na casa (e, certamente, dois são desfeitos fora). Então, todas as terças à noite, o mercador de ilusões Pedro Bial, de forma histriônica, unirá um país de norte a sul porque todos estarão (assim eles querem que seja) interessados em descobrir quem se dará mal naquela semana.

Essa hegemonia, meus caros, é o nosso grande problema. O Brasil deveria buscar a discussão de assuntos de mais importância. Claro que devemos ter lazer. Claro que o lúdico, mesmo de gosto duvidoso, é importante. E aqui não reside nenhum preconceito da minha parte. É que a hegemonia faz com que boa parte dos cidadãos acredite que tratar de temas polêmicos não lhes pertence. Mas pertence, sim. Só nesta semana posso destacar três: as questões que envolvem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a tentativa de abertura do Poder Judiciário, as chuvas que voltam sempre em janeiro (a natureza é perfeita) e o pouco que se fez desde a desgraça do ano anterior e as eleições de 2012 que chegam logo, e há muito que mudar.

Conceitos de cultura

Enquanto deveríamos gastar nosso tempo com isso, e reitero que não se trata de discussão de elites, a mídia hegemônica nos impõe coisas “desimportantes”. E isso também não é novidade. É o “velho e bom” panis et circenses com que a Roma Antiga brindava seu povo. A única diferença é que os gladiadores de hoje não derramam uma gota de sangue sequer.

Ao final de tudo, mantenho a esperança de que dias melhores virão. Sempre acredito que o Brasil, enquanto sociedade, ainda é novo e devemos passar por tudo isso para que possamos amadurecer e chegar, um dia, aos conceitos de cultura de países nem tão longínquos daqui como a Argentina ou o Chile.

Já estaria feliz.


Sylvio Micelli é jornalista.