terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Dar prazer ao homem é fundamento da vida amorosa [Maria Rita Kehl]

Muita gente se chocou com a (suposta) brincadeira do candidato Ciro Gomes quando disse a um repórter que "o papel de minha mulher na campanha é dormir comigo".

Frase bem típica de macho nordestino, herdeiro de muitas gerações de coronéis acostumados a mandos e desmandos, para quem mulher boa é mulher calada. Mas, pensando bem, não é essa a frase que a maioria dos homens brasileiros, de norte a sul do país, gostaria de poder dizer impunemente? "O papel de minha mulher na minha vida é me dar prazer."

Somos bastante hipócritas em relação a isso. O feminismo brasileiro importou da vanguarda americana uma detestável parcela de puritanismo sexual. Não sei se Patrícia Pillar reclamou na intimidade; em público, foi disciplinada e levou no bom humor. Soube, como poucas mulheres, colocar o interesse público (supondo que a candidatura Ciro represente interesses públicos) à frente de suas reivindicações privadas.

Também não sei se teria razões para se ofender. Lula, principal rival de Ciro nessa campanha, costuma dizer que o preconceito é como a gripe: só pega em quem já está fragilizado. O preconceito só atinge quem se identifica com ele. O papel de "dormir com ele" pode ofender uma esposa profissional, das que escolheram anular todas as outras ambições pessoais para melhor servir ao marido. Ofende porque revela a pobreza dessa condição. Mas não sei se ofenderia uma mulher que, além do (agradável) papel de objeto sexual, sabe que tem outros interesses e outras qualidades.

Quem há de negar que o prazer é o fundamento da vida amorosa? Respeito, admiração, amizade, projetos em comum, são importantes para viabilizar e dar consistência ao amor. Para impedir que ele se esgote na consumação da paixão sexual. São a face civilizada do amor. Nós, seres civilizados até prova em contrário, valorizamos o respeito e a admiração (de preferência, mútuos) entre os casais, assim como prezamos os projetos ambiciosos e a dedicação às belas "obras da cultura", como dizia Freud, que ampliam o sentido da vida para além daquele que nos oferece o princípio do prazer.

Nada disso, no entanto, substitui o leite e o mel com que o prazer vem suavizar a aridez da vida. As mulheres sabem disso. Sabem também como é bom ocupar o lugar de objeto do prazer e do desejo de alguém. Sabem melhor do que os homens, que tradicionalmente sempre foram sujeitos da História e morrem de medo de experimentar a posição de objeto. Morrem de medo de gostar. Pensam que a masculinidade é incompatível com uma certa passividade. São bobos os homens! Ou nem todos, felizmente.

Já as mulheres não precisam bancar as puritanas – desde que fiquem espertas. Não se trata, como pensam algumas feministas, de evitar a todo custo o papel de objeto sexual, e sim de não se confundir com ele. Se a mulher de um candidato está a fim de desempenhar um papel decorativo na campanha e depois desfrutar as noites junto dele, bom para ela. Esse é seu papel – no amor!

Mas que não seja seu único papel na vida – esta seria uma escolha infeliz. Ser "toda" objeto de prazer para o outro é uma bela cilada. Mesmo porque os homens – pelo menos os que valem a pena – só querem em sua cama uma mulher que escape de seu domínio. Que não pertença tão completamente a eles.


Maria Rita Kehl é psicanalista, escreveu este texto durante a campanha eleitoral de 2006. Ciro Gomes tinha sido enxovalhado pela mídia que o considerou "machista".

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