Junto a minha escrita a de dois amigos insuspeitos de cultivar o racismo ou qualquer outro tipo de discriminação, para aplaudir os corajosos textos de Walter Queirós Junior e Luiz Mott, publicados na imprensa no dia 19 próximo passado. Ambos trataram do mesmo assunto, sem que houvessem combinado fazê-lo, para ressaltar o “oportunismo político” implantado na Bahia e no Brasil nos últimos anos.
Sendo ambos os articulistas pessoas responsáveis e destacadas no meio cultural baiano, parece fácil corroborar suas afirmativas, desde quando coerentes com o que penso e julgo estar acontecendo nesta Roma Negra.
Começo por afirmar que somos uma terra ou, mais ainda, um país de mestiços, produto de “três raças tristes”, embora a expressão raça não caiba em nenhuma nomenclatura da nova Antropologia.
Quanto ao culto exacerbado ao continente africano, de onde provem parte do nosso amálgama étnico (prefiro ao racial), tem intencionalmente desprestigiado a nossa formação nativa e a contribuição portuguesa, “nossa herança fundamental”, conforme escreveu o ilustre antropólogo alagoano, notável folclorista, Manuel Diegues Junior, no seu clássico: “Etnias e Culturas no Brasil”, livro que todo brasileiro deveria ler para se informar.
Sabem, ao menos, os conterrâneos portadores de noções básicas sobre o início da colonização portuguesa no Brasil da notável colaboração prestada pelos aborígenes na construção da nossa sociedade, que se formou da miscigenação entre brancos e índios.
Não desconhecem também a participação dos tupinambás na construção da Cidade do Salvador e da sua ajuda fundamental para o ensino de certas práticas, ainda em uso em nossos dias, a exemplo dos artefatos e práticas usuais na pescaria baiana, das plantas medicinais, do fabrico da cerâmica e da cestaria, do uso das palmas, de hábitos alimentares, do uso da rede, dos contos e das crenças impregnadas em nosso imaginário, de determinados instrumentos musicais, enfim, de um incontável número de aportes.
Deve ser posto também em destaque o conhecimento da mata, as trilhas e caminhos dos índios, denominados “peabirus”. Desses roteiros terrestres que intercomunicam inúmeras áreas geográficas do país, sem cujos caminhos seria impraticável vencer a floresta Atlântica, ultrapassar as montanhas, atravessar rios, córregos e regatos, contornar as cachoeiras e quedas d´água deste território imenso. Isto sem falar na transmissão de elementos da sua língua, a mais falada na costa do Brasil, infelizmente, subjugada pelo colonizador, como acontece em qualquer parte do mundo, que sofre esse processo de ocupação.
Sobrevive o tupi altaneiro e copioso, ainda, no léxico do português do Brasil, em determinadas expressões de dúvida e espanto, porque foi impossível desenraizá-lo totalmente, apesar da perseguição de Pombal.
O que está ocorrendo na Bahia, minha gente, é um processo intencional de “africanização” raivosa e injusta, observada até por negros conscientes desse processo, como há pouco tempo se pronunciou um dos mais importantes artistas desta terra, Emannoel Araujo, em depoimento à imprensa.
Grave também, como observou o antropólogo Luiz Mott, é a ideia circulante de que a “mama África é uma cultura homogênea e o melhor lugar do mundo para se viver”. Esse mito está impresso na mente dos mais afoitos, dos que jamais pisaram no solo das diversas Áfricas e muito menos conhecem a sua verdadeira história. Como acentuou Mott, “mesmo antes da colonização europeia e arábica, nunca a África foi réplica do paraíso terrestre, ostentando as mesmas crueldades, injustiças e violências observadas na Europa e na Ásia: machismo, escravidão, mutilações sexuais, fome e cruéis desigualdades”.
Walter Queiroz Jr. enfatiza: “De repente, como num surto de consciência pesada ou talvez por mero oportunismo político, endeusam-se na Bahia os afrodescendentes como uma categoria étnica apartada dos demais baianos”. Ainda mais adiante acrescenta: “Todas as lágrimas do mundo não darão conta de chorar a diáspora negra, assim como a tragédia judaica, sem esquecer o massacre dos povos indígenas”. A tudo isso acrescento a perseguição milenar ao povo cigano que, em nossos dias, continuam perseguidos em toda a Europa e outras partes do mundo.
Por fim, Luiz Mott toca num ponto crucial em nossos dias, um dos piores males que estão sendo estimulados, pelos governos e por aqueles que temem enxergar a verdade dos fatos, porque são covardes, qual seja o racialismo, essa mesma vertente “cobradora” que defende os sistemas de cotas para negros, esquecendo-se dos pobres que “desafortunadamente” têm a pele clara. Essa coisa de “reparação “ está assumindo contornos perigosos. Vencer pelo mérito é justo e indiscutível. O que não adianta é conceder diploma a quem não se encontra apto para ocupar determinadas funções. Formar sem condições de comprovar conhecimento, sem a mínima capacidade de conhecer o uso da língua que falamos, ou a usando estropiadamente, é lançar o indivíduo às feras.
Por isso, defendo a escola pública de excelente nível para que todos que nela encontrem a formação necessária, que os habilitem a disputar, em igualdade de condição, as posições a que todos aspiram. A Bahia é celeiro de admiráveis homens de ciência e de outros saberes, muitos dos quais: brancos, mestiços e negros. Os nossos tupinambás ficaram de fora de tudo, porque banidos do seu território de origem, exterminados impiedosamente, quando não empurrados para regiões inóspitas do interior, onde soçobraram à míngua de recursos para a sua sobrevivência, quando não abatidos pelas armas de fogo dos entradistas e bandeirantes.
Texto publicado na Tribuna da Bahia, em 23/11/2011.
Saiba quem é Consuelo Pondé de Sena.
Que delícia de texto. Rico e tão objetivo. Cazzinho, vc vem me facilitando a vida: naõ tenho muito saco para ler jornal ou revista, apeans livros. Mas é só abrir um de seus links e ler um bom artigo que me sinto renovado. Valeu!
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