Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido.
Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação? De um lado, é abusivamente
mencionado o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, das quais um
dos frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e a intencionalidade.
De outro lado, há também referência obrigatória à aceleração contemporânea e
todas as vertigens que cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses,
porém, são dados de um mundo físico fabricado pelo homem, cuja utilização,
aliás, permite que o mundo se torne esse mundo confuso e confusamente recebido.
Explicações mecanicistas são, todavia, insuficientes. É a maneira como, sobre
essa base material, se produz a história humana que é a verdadeira responsável
pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada. Quando tudo
permite imaginar que se tornou possível a criação de um mundo veraz, o que é
imposto aos espíritos é um mundo de fabulações, que se aproveita do alargamento
de todos os contextos (M. Santos, "A natureza do espaço", 1996) para
consagrar um discurso único. Seus fundamentos são a informação e o seu império,
que encontram alicerce na produção de imagens e do imaginário, e se põem ao
serviço do império do dinheiro, fundado este na economização e na monetarização
da vida social e da vida pessoal.
Com essa grande mudança na história, tornamo-nos
capazes, seja onde for, de ter conhecimento do que é o acontecer do outro.
Nunca houve antes essa possibilidade oferecida pela técnica, a nossa geração ter
em mãos o conhecimento instantâneo do acontecer do outro. Essa é a grande
novidade, o que estamos chamando de unicidade do tempo ou convergência dos
momentos. A aceleração da história, que o fim do século XX testemunha, vem em
grande parte disto. Mas a informação instantânea e globalizada por enquanto não
é generalizada e veraz porque atualmente intermediada pelas grandes empresas de
informação.
E quem são os atores do tempo real? Somos todos
nós? Esta pergunta é um imperativo para que possamos melhor compreender nossa
época. A ideologia de um mundo só e da aldeia global considera o tempo real
como um patrimônio coletivo da humanidade, mas ainda estamos longe desse ideal,
todavia alcançável.
A história é comandada pelos grandes atores desse
tempo real, que são, ao mesmo tempo, os donos da velocidade e os autores do
discurso ideológico. Os homens não são igualmente atores desse tempo real.
Fisicamente, isto é, potencialmente, ele existe para todos. Mas efetivamente,
isto é, socialmente, ele é excludente e assegura exclusividade, ou, pelo menos,
privilégios de uso.
Apesar de ter se graduado em Direito, Milton Santos destacou-se
por seus trabalhos em diversas áreas da geografia, em especial nos estudos de urbanização do Terceiro
Mundo. Foi um dos grandes nomes da renovação da
geografia no Brasil ocorrida na década de 1970. Escreveu os livros: O meio técnico-científico e a
redefinição da urbanização brasileira, O espaço do cidadão, Técnica,
espaço, tempo, Por uma outra globalização, entre outros.
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