Estimados
leitores, incrível, mas a igreja católica foi lá e fez de novo. Juntou 150
senhores idosos e escolheu um deles com a difícil missão de não mudar
absolutamente nada e parecer que alguma coisa está acontecendo.
Como
todos vocês eu me diverti vendo aquela queima de papeizinhos e a fumaça saindo
da chaminé, até ela ficar menos cinza e então um outro senhor bem velhinho vir
dizer Habemus Papam, e aparecer aquele senhor com jeito de quem aprecia muito um
sonrisal pra acompanhar as carnes. O novo papa, Francisco. O novo papa acredita
no poder da oração, senhores leitores. Oração.
A
igreja existe há dois mil anos e um troco, e por todo esse tempo ela vem
praticando a oração, antes em latim, agora em vernáculo, e os resultados têm
sido igualmente impressionantes.
O
mundo orava enquanto Roma era saqueada pelos bárbaros, e nenhum bárbaro, ao que
se saiba, desistiu do projeto de invadir a capital da cristandade e se tornar
um sujeito bonzinho ali e agora. Papas oravam enquanto tentavam invadir algum
reino que estivesse incomodando, e a Itália permaneceu dividida até Garibaldi
ir lá e fazer algo prático a respeito.
Todo
mundo orava quando aparecia a peste, vinda do oriente selvagem, com uma enorme
taxa de sucesso, uma vez que apenas seis pessoas em dez morriam. Aparentemente,
somente as outras quatro sabiam a letra certa da reza salvadora, ou eram
cristãos bons o bastante para merecerem escapar do trágico destino bubônico.
Curiosamente, monastérios inteiros desapareceram junto, orando o tempo todo, ao
que se imagina.
O
mundo somente começou a mudar pelo século 16, estimados leitores, quando a
parte da humanidade cansou de morrer de praticamente tudo e inventou a
ciência.
A
igreja gostou tanto da ideia que queimou vários cientistas por ousarem fazer
algo tão pouco divino quanto pensar. Uma boa oração resolvia tão bem, separando
os bons dos maus, pra que virem agora com essa tolice igualadora, que salvaria
a todos os vacinados da mesma maneira, inclusive os que praticassem outras
religiões ou nenhuma?
No
ocidente, por uma série de sortes, conseguimos impor o pensamento à fé, e a
ciência à oração, e provavelmente é por isso que o nosso novo e estimado Papa
sobrevive com apenas um pulmão. Se humanos não tivessem parado com bobagens e
não tivessem ido lá fora inventar a assepsia, os instrumentos cirúrgicos, a
anestesia e a medicina moderna, eu acredito que ele poderia ter orado em vão.
Por
séculos oramos para todo o lado e a nossa média de vida não superou os quarenta
anos de idade. No último século, sem nenhuma reza, pulamos para os oitenta anos
em média, mulheres um pouco mais, homens um pouco menos. O que produziu essa
revolução, uma vez que quantidade de vida é certamente um fator essencial na
vida, não foi a oração, jamais seria, jamais será. E o novo papa acredita
nela, apesar do pulmão.
Ele
acredita nela por que ela é a única coisa que o sistema que ele representa tem
a oferecer. Mágica, dragões, são jorges, lendas, crendices, e muita fumaça. Ele
acredita nela porque se todo mundo resolver deixar de acreditar, babaus para a
empresa dele, que fatura alguns 170 bilhões de dólares nos Estados Unidos,
apenas. Ele acredita que mesmo que a humanidade não tenha sido beneficiada com
dois mil anos de orações, a igreja certamente sobrevive, e muito bem, graças a
ela. Portanto, oração funciona. E funciona. Para a igreja e seus empregados,
por exemplo, funciona muito bem.
Curiosamente,
no primeiro dia de trabalho do novo papa foi lançado o novo smartphone Android
da Samsung. Daqui a pouco vem a versão nova do Iphone, da Apple. Curiosamente,
no mesmo dia foi anunciado que já são ativados mais smartphones Android do que
nascem bebês humanos, por dia. Deixando de lado o que não funciona, estamos
apostando fortemente no que sabemos que funciona, parece. O Manuel Carneiro da
Cunha, nos seus 16 meses de idade, passa o dedo sobre toda e qualquer
superfície e espera que alguma coisa aconteça, o que não deixa de representar a
nova fé humana do século 21.
Diferentemente
da outra fé, aquela da reza pro Padinho Padi Ciço torcendo pela chuva que não
vem, essa nova fé entrega, mesmo que nem sempre a entrega faça muito sentido ou
tenha muita utilidade. Essa nova fé, ora vejam, é mais ou menos como a gente. Ela
é isso mesmo porque foi, sem sombra de dúvidas, criada por nós e atua a nosso
favor. Se somos um tanto erráticos, é por nossa conta. A oração antiga
era errática porque nunca sabíamos de que lado Deus estava, na guerra ou no
futebol.
A
nova oração está ao nosso lado, e por isso mesmo, mesmo quando não funciona,
funciona. Sorte a nossa, azar do Francisco, que vai continuar naquele balcão
dizendo que os gays são a causa de todo o mal e que o mundo é torto por falta,
não excesso de Deus. Quem sabe na hora em que o mundo inteiro for Android
ou Apple, essa sua tese vai parecer cada vez mais distante, cada vez mais
estranha, e finalmente, cada vez mais uma lembrança.